“Frankenstein” é uma ponte entre três gêneros
- Davi Alencar

- há 8 horas
- 4 min de leitura
Ainda que lhe falte refino cênico, del Toro equilibra um filme de muitas vontades e reflexões nessa releitura

O cinema e a presença de Guillermo del Toro são de uma polivalência muito interessante. Com um ponto comum sobrenatural, o diretor faz desde dramas clássicos da era vitoriana; anos vinte; adaptações de quadrinhos e até uma metáfora sobre a ditadura espanhola. Isso sem falar no seu trabalho pessoal e delicado em Pinóquio e em todo um ecossistema de horror tanto como showrunner de sua própria série na Netflix quanto em suas aventuras no mundo dos videogames, colaborando com Hideo Kojima em P.T. e emprestando sua imagem para o mais recente Death Stranding.
Ou seja, por mais que esse fascínio pela estética gótica e ocultista pareça resumir o diretor, ele ainda consegue abrir bastante o leque de como explorá-la. E é passeando por um mundo de referências variadas que ele compõe Frankenstein (2025), seu novo filme pela Netflix, que traz uma nova e revigorante proposta para a tão conhecida história entre criador e criatura.
Para começar, há o equilíbrio de três gêneros em um malabarismo rápido e claro. A ficção científica que motiva o enredo se mistura com o fascínio das possibilidades da fantasia enquanto se espanta pelos desdobramentos que refletem terror nessa narrativa. Assim, fica aquela sensação de muitos filmes em um e mesmo a mais gore das cenas consegue se transmutar na magia de uma determinada descoberta. Aliás, essa parece ser uma ótima parábola de como o diretor enxerga o mundo a sua volta, encontrando no esquisito e diferente um lugar para explorar. Nisso, entende muito bem seus dois protagonistas na hora de abordar os desdobramentos dessa humanidade perdida e criada.

Del Toro se utiliza de todos os adereços visuais possíveis na construção desse universo: guarda-roupa, maquiagem e cenário, todos visivelmente feitos com um esmero ímpar, povoam o mundo com vida e um cuidado estonteante a cada pequeno detalhe. No entanto, não é possível ver essa mesma atenção dele por trás de sua encenação. Num ou outro quadro a inspiração brota e ele compõe um estático aterrador, como quando a criatura foge do castelo e cai na água ou o close no “anjo da morte”. Mas a maioria do tempo ele se limita a uma grande angular que se movimenta na ânsia de capturar cada milímetro do set sem necessariamente construir um pensamento mais sólido que reflita sobre os temas do filme ou meramente evoque outros sentidos no espectador. Seu trabalho se assemelha muito ao de seu conterrâneo — Alejandro Iñárritu — em O Regresso, enchendo a tela com uma imagem rica em esmero e pobre em sentido.
Juntando isso com um começo bem introdutório, Frankenstein consegue ser expositivo à exaustão. A narração se safa por pouco de não chafurdar nessa literalidade, não só por ir diminuindo ao longo da rodagem, mas por encontrar alguma substância na troca de ponto de vista. Muitos dos dilemas acabam recaindo para o diálogo — são conversados — o que não os torna menos interessantes, só menos explorados. É uma pena, já que Del Toro entrega ótimos momentos quando se debruça sobre a união entre forma e conteúdo.
Um exemplo acontece na cena em que a criatura nasce. Seguindo o fluxo de energia, a imagem entra no corpo inerte costurado por Victor, passeia por entre as fibras e tecidos até encontrar um espaço no cérebro para se proliferar. Pegando essas pontes de gênero que o diretor utiliza, é um momento que usufrui tanto da esquisitice, advinda do horror e ficção científica, ao não tornar as vísceras do monstro menos guturais quanto da fantasia romântica ao ver a vida percorrendo algo antes inanimado.

Curiosamente, esse excerto rememora uma das cenas mais emblemáticas do já citado Death Stranding. Nela, quando o jogador morre, a câmera do jogo entra pela boca do protagonista e revela um bebê ou um boneco estranho, a depender do acontecimento. O caminho reverso é feito pelo corpo e, ao sair, o jogador inicia uma nova vida na gameplay. Inclusive, graças à proximidade entre Kojima e del Toro e pelo cineasta inclusive aparecer no jogo, eu não acho que essa semelhança seja uma mera coincidência. Em muito, os temas de ambas as obras se cruzam no que tange esse limiar entre a vida e a morte, tanto na literalidade quanto metaforicamente. Estar vivo ou morto biologicamente falando ou o que significa viver, morrer e desejar essas duas etapas da vida. Eu não terminei o jogo então não poderia elaborar muito mais sobre, mas enquanto o designer japonês parece se interessar mais nos fantasmas que cercam essa discussão, o diretor mexicano vai pendendo para um lado mais esperançoso na porção final.
Assim sendo, acho que cria-se mais um elo interessante com outra mídia também de 2025. Em Superman, vemos os causos de um não-humano mais humano do que nós, humanos e a conclusão de Frankenstein se aproxima demais disso. Enquanto o trabalho de James Gunn o utiliza mais para nortear as ações do seu homem de aço, Frankenstein fecha todo o seu arco através desse tema. A criatura enxerga a queda de seu criador andando ao lado da sua perda de humanidade e, se em Metrópolis o punk rock de verdade era a confiança e o amor ao próximo, aqui ele é o perdão. Um final otimista, surpreendente para um filme que não se apresentava dessa maneira, sempre tentando demonstrar o que de pior há no ser humano e por que a criatura não devia buscar essa assimilação. Curioso que os dois terminam com esse protagonista esperançoso olhando para o Sol.
Nota da crítica:

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