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"É Apenas Um Acidente" converte a simplicidade em um gesto de empatia

Novo filme de Jafar Panahi se apropria de normas mais convencionais de gênero para articular um manifesto sensível pela humanidade


Crítica de É Apenas Um Acidente de Jafar Panahi

É inevitável não traçar paralelos entre É Apenas Um Acidente e a trajetória de seu diretor, Jafar Panahi. Preso em 2010 e 2022 por se mobilizar contra o regime iraniano, o novo filme do cineasta acompanha um grupo de dissidentes políticos para discutir, justamente, o trauma presente naqueles que sofreram as consequências diretas do autoritarismo. Esse contexto também se fez presente na recepção ao filme, que entre os elogios efusivos e a Palma De Ouro em Cannes, parece estar carregada de um certo clima de homenagem, que reconhece na obra a presença do legado de seu diretor.


O longa acompanha Vahid, mecânico e ex-preso político, diante de um dilema: após sequestrar seu suposto torturador, o personagem recorre a outros dissidentes para uma segunda opinião sobre a veracidade das suas suspeitas. O filme, que começa com certa tensão, não demora muito para reconhecer o absurdo da premissa e transitar do drama frontal para a comédia de erros - caminho que, eventualmente, ele também vai fazer ao inverso. É a partir desse impasse, e a maneira como seus personagens traumatizados reagem a ele com impulsividade, que Panahi vai explorar essas possibilidades de gênero e articular um apelo humanista pelo fim dos ciclos de violência.


Crítica de É Apenas Um Acidente de Jafar Panahi

Faz sentido, portanto, que em um filme interessado num subtexto mais simples e direto, o cineasta parta para uma abordagem também mais convencional - que, nesse caso, está longe de ser um demérito. Em É Apenas Um Acidente, Pahani prima pela economia, com uma câmera discreta que chama a atenção para si apenas em momentos chave do filme. No geral, o que temos aqui é um registro mais distante que, ao mesmo tempo que conserva certa elegância da imagem - é um filme muito bem iluminado, que posiciona os elementos do quadro com consciência - também está interessado na fisicalidade de seus atores.


É uma abordagem, portanto, que apesar de naturalista, vê em seus personagens uma forma de romper com essa rigidez da imagem, como se eles fossem objetos estranhos dentro daquele realismo. Nesse sentido, é um filme que não foge de uma certa repetição das suas dinâmicas, mas que está sempre explorando suas possibilidades de forma muito espirituosa.


Mas o que é particularmente bonito em É Apenas Um Acidente é a forma como, ao mesmo tempo que a câmera de Pahani revela o aspecto cômico desses indivíduos - como se eles fossem incapazes de dar conta da fantasia de poder que projetam em si mesmos -, ela também expõe sua humanidade. Chega a ser tocante, por exemplo, em uma cena em que há uma discussão acalorada entre o grupo, perceber como há uma sensação de isolamento da Vahid, como se ele estivesse deslocado dos demais - nuance que é muito bem capturada pelo ator Vahid Mobasseri.


Crítica de É Apenas Um Acidente de Jafar Panahi

É nessa relação não dita, que vê no humor a possibilidade de redenção e enxerga na ‘fraqueza’ daqueles indivíduos também a sua melhor qualidade, que o cineasta iraniano vai, aos poucos, articulando o seu manifesto pela humanidade. Nesse sentido, se toda a sequência do parto na segunda metade pode soar inverossímil, ela ao mesmo tempo faz muito sentido para reforçar uma sensação de ingenuidade presente no filme. O trecho todo é muito bem-humorado, escrito com uma sensibilidade que dá o devido destaque aos pequenos momentos de ternura.


Isso não significa, porém, que Panahi está interessado em saídas fáceis para questões complexas. Ao sugerir, com muita delicadeza, no final, a manutenção do trauma, o cineasta não só aponta para a impossibilidade de sua resolução, como também mostra o preço que a escolha pela decência cobra. Vemos, pela última vez, a câmera expondo a vulnerabilidade do protagonista, numa lembrança do fardo carregado pelos heróis do cotidiano - que, assim como Panahi, carregam a própria humanidade como um valor inegociável.



Nota da crítica:


Crítica de É Apenas Um Acidente de Jafar Panahi


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