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Foto do escritorPaula Hong

Enquanto o Céu Não Me Espera (2024) — 57º Festival de Cinema Brasileiro de Brasília

Primeiro longa-metragem da diretora amazonense Christiane Garcia está entre os melhores da mostra competitiva nacional 



A quarta noite da mostra competitiva de longas metragens tem o representante do Amazonas, Enquanto o Céu Não Me Espera. O primeiro longa de Christiane Garcia estreia no Cine Brasília após seis anos de sua realização. A diretora trata complexidades a partir de uma trama simples: o drama amazônico é protagonizado por Irandhir Santos, cujo personagem, Vicente, um agricultor, faz de tudo para assegurar as raízes de sua família numa localidade cada vez mais vulnerável aos desastres climáticos. É nessa instabilidade que o conflito entre o ficar, largamente ancorado pela memória e o desejo de honrar seu pai, e o ir embora para a capital, protegendo a família dos problemas da escassa colheita, se embatem nas cheias dos rios. A belíssima longa tomada que abre o filme já dita a soberania das águas e a sua capacidade de gradualmente malear, tanto na superfície quanto nas suas profundezas, a dicotomia da beleza e do perigo.     


Desta forma, o filme trabalha em torno do ideal familiar de Vicente que vai se dissolvendo à medida que as águas e a casa de madeira, antagonistas, parecem posicionar o homem na sua condição de ilhado, à mercê do incontornável clima e o que o acompanha. Rita (Priscilla Vilela), esposa de Vicente, resiste o quanto pode, zelando pelos filhos Firmino (Maycon Douglas), Francisca (Jully Fabielly) e Franciney (Cauã Eduardo), rondando o marido com o plano de levá-los para Manaus. A família ribeirinha é apresentada com breves momentos de tranquilidade no início do longa, com interações que mesclam cuidado, apreensão e tentativas de negociação sobre o que passam. Os problemas vão se acumulando à medida que a principal renda já não se faz possível sem as colheitas. A casa então torna-se abrigo claustrofóbico enquanto a água vai tomando conta.


A angústia do isolamento aumenta com a altura das águas. Os corpos estão quase sempre com a metade ou inteiramente molhados. Sem escapatória, Rita, extremamente desolada, se rende ao recomeço pela via religiosa após a perda de Firmino, que morre ao sair para pescar comida. Os mais novos ficam com o pai que tenta, em vão, subir a casa, cravando raízes na instabilidade. A câmera toma seu tempo com esses momentos em Enquanto o Céu Não Me Espera, imergindo no alongamento dos planos o isolamento da paisagem (visual e sonora; esta fortalecida pelos poucos diálogos e reforçada pelos sons da natureza) que se torna cada vez mais líquida, molhada. Os pontos de referência são reduzidos na linha do horizonte onde a água encontra o céu.


É um filme inegavelmente bonito não somente pelo modo como Garcia faz do cenário natural o antagonista invencível, mas também pelo modo hábil de tornar o estado maleável das águas e a solidez da floresta dois polos que respondem às agressões das mudanças climáticas desencadeadoras de consequências que desmancham qualquer possibilidade de modos de vida fora da capital e dos grandes centros. Seis anos após a realização, o longa-metragem remete à temporalidade de um passado recente que condensa no recorte de sua intensidade homenagem ao Amazonas e denúncia ao consecutivos descasos para a com a situação de famílias ribeirinhas e de agricultores. Vicente, o único a permanecer após ceder e mandar os pequenos para a capital, sobe no topo da casa, segurando o quadro com a imagem de seus pais.



Essa crítica faz parte da cobertura do 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro



 

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