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Foto do escritorLucas Tameirão

Top Gun: Maverick (2022)

Ao casar um enredo de drama muito bem desenhado, embasando-se na nostalgia que se nutre culturalmente pelo seu antecessor, com acrobacias de ação práticas, “Top Gun: Maverick” relembra ao espectador contemporâneo uma forma de narração particularmente arrebatadora que só o cinema pode oferecer.


Dizer que eu estava muito entusiasmado para o lançamento de “Top Gun: Maverick”, caro(a) leitor(a), seria faltar-lhe com a honestidade. Para começo de conversa, eu nem tinha assistido ao primeiro “Top Gun” ainda (crime cinéfilo, eu sei, mas, se me permite pleitear o meu caso, filme de avião não é lá muito a minha praia, nem se for só para jogar vôlei sem camisa com os brothers), e, bem, admito que não iria assisti-lo por iniciativa própria, não fosse ou a necessidade imposta pelos estudos de cinema, ou, como acabou sendo o caso, o eventual lançamento de uma sequência badalada, a qual eu precisaria de algum contexto antes de ir assistir.


E, bem, depois de assistir ao primeiro, também não posso dizer que virei o maior fã. Me parece, aliás, que é um filme bem temporalmente localizado, isto é, bem intencionalmente feito para um certo tipo de espectador de um certo tempo muito específico, com todas as suas idiossincrasias única; não espanta, portanto, que todos os fãs realmente abrasados do primeiro “Top Gun”, que eu saiba, são pessoas que viveram as suas adolescências nos anos 1980: o filme, antes de tudo, carrega uma chancela bem distinta da época, de modo que o status cultural e o subsequente apelo nostálgico são inevitáveis.


Entretanto, o que mais me chamou a atenção no filme de Tony Scott foi a entonação erótica nada sutil da encenação, como muitos já apontaram: consolidando-se numa premissa básica de jovens aviadores que são designados para a força tarefa de mais alta periculosidade da aviação militar, o filme transforma o contexto das Forças Aéreas Americanas num espaço em que jovens rapazes descolados, destemidos e sedentos por aventuras cheias de adrenalinas (como Tom Cruise, com seu sorriso de galã, sua disposição adolescente e seus óculos de aviador) estão em casa.



Nesse sentido, aliás, me lembro do que um vizinho me disse certa vez, sobre “Top Gun”: que o filme, em sua época de lançamento, fora muito responsável para fazer com que jovens homens estadunidenses se apaixonassem novamente pela aviação americana. Preste atenção, caro(a) leitor(a), na peculiaridade do verbo: de acordo com o meu caríssimo vizinho, os tais jovens estadunidenses não se interessaram pela aviação, tampouco tiveram os seus sensos patrióticos renovados pela experiência, por exemplo, e sim se apaixonaram. Ai, meu Deus. E por quê? Bem, eis a magia do cinema: o fascínio erótico da encenação de “Top Gun”, especialmente quando direcionada a um impressionável adolescente, gera um sentimento passional de desejo de se tornar o ídolo, isto é, de ser tão descolado, destemido e sedento por adrenalina como Maverick Mitchells, corporificado na figura extremamente carismática e sedutora de Tom Cruise (o amor da vida da sua mãe, caro(a) leitor(a); se duvida de mim, vá lá perguntar para ela, vá). E o desejo passional, a paixão impenetrável pelo ídolo que alimenta a ambição, faz o indivíduo cometer loucuras – tais como ingressar-se nas Forças Aéreas.


Dessa maneira, fica claro a forma como “Top Gun”, para além de ser uma obra de intenso envolvimento emocional direcionado a uma juventude muito única em muitos sentidos (daí, a memória afetiva em que se embasa o apelo nostálgico), serve também como uma inestimável peça de propaganda para as Forças Aéreas Americanas, uma vez que não convence por meio da lógica, e sim persuade por meio das emoções. (Me parece ser muito mais interessante, aliás, apreciar esse filme dentro do seu contexto cultural e temporal, em especial como ele se relaciona com a administração ufanista e ultra neoliberal de Ronald Reagan.)


Então, em suma, lá estava eu, perante “Top Gun: Maverick”: ao assistir ao primeiro longa, entendi o contexto geral do universo particular da franquia e, admito, adicionei algumas canções bem “anos 80” à playlist do meu carro (principalmente Cheap Trick, bom demais), não estava lá hiper entusiasmado. Me intrigava, entretanto, a excelente recepção que o filme vinha adquirindo, tanto por parte do público mais acostumado com um cinema de cunho mais comercial, quanto de uma parcela da audiência mais “culta” e “requintada” nos seus gostos cinematográficos (o tipo de feito impressionante especialmente em relação aos blockbusters de hoje em dia, aos quais eu, ao lado de muitos colegas da crítica de cinema, guardo muitos reveses).



Entretanto, no fim das contas, “Top Gun: Maverick”, me surpreendeu bastante: não só é um grande filme em termos de narrativa cinematográfica, como resgata para o espectador contemporâneo uma das mais estuporantes belezas que o cinema pode oferecer, que é a realização prática de cenas de ação, e, com efeito, lhe lembra do poder um tipo de experiência que é única do formato cinematográfico. Assim, portanto, o filme dirigido por Joseph Kosinski (mas em que se sentem as mãos criativas de Tom Cruise e de Christopher McQuarrie – este que é figurinha repetida nos empreendimentos do célebre ator e acrobata contemporâneo, de “Jack Reacher” aos mais recentes, e talvez melhores, “Missão: Impossível” –, ambos os quais são produtores executivos de “Top Gun: Maverick”) revigora o espírito de um espectador já muito enfastiado com o excesso alienante de computação gráfica na maioria dos blockbusters ejetados por Hollywood hoje em dia e, efetivamente, configura-se como o melhor tipo de filme popular: não apenas aquele que oferece um escapismo do dia-a-dia, mas que, nesse escapismo, oferece uma experiência exuberante que orgulhosamente se proclama como cinematográfica – e que mostra, ao espectador deslumbrado, as infinitas possibilidades de criação artística que ainda secreta o cinema. Não se trata, portanto, de uma experiência alienante, e sim de uma iluminadora.


E, aqui, caro(a) leitor(a), posso afirmar que, pelo menos no meu caso, “Top Gun: Maverick” trata-se de uma experiência notavelmente melhor do que o seu antecessor, sobretudo por não existir em sua sombra e, consequentemente, por vigorar a partir de seus próprios méritos. Mas não é que “Maverick” rejeita, de qualquer maneira, o primeiro “Top Gun”: pelo contrário, o filme de Kosinski estabelece uma relação de muito respeito e reverência com o seu antecessor, ao se embasar justamente no sentimento nostálgico que se nutre culturalmente pelo original para, a partir disso, construir toda a sua proposta dramática.


Goose, no primeiro filme, por exemplo, é um personagem importante não tanto porque o “Top Gun” de Tony Scott destaca essa sua importância no que tange o arco dramático de Maverick Mitchells – como dito acima, me parece que o interesse do primeiro filme está muito mais na criação de uma atmosfera adolescente no contexto das Forças Aéreas Americanas, eroticamente fascinante, do que numa atenção mais sensível aos dramas entre os personagens, muito embora a morte do seu parceiro de aviação tenha exercido um marcante impacto no nosso protagonista; o evento dramático, portanto, é muito mais significativo ao delinear que uma tragédia dessas pode acontecer nas forças aéreas, mas, nem por isso, jovens rapazes deixam de se sentirem em casa por lá –, mas principalmente porque os fãs possuem um apreço emocional por ele: ele é, afinal, o “melhor amigo”, o coadjuvante querido cuja falta é sentida com muito pesar, em especial para aqueles que, como Maverick em relação ao amigo, possuem um forte laço emocional com o filme. E, a partir disso, o enredo de “Top Gun: Maverick” se constrói – e, dessa vez, nota-se, com uma carga dramática muito mais robusta e potente do que o seu antecessor.



Agora, a morte de Goose, dor esta que se manteve latente no coração de todos os aficionados com o longa original, transforma-se no epicentro da narrativa; uma retomada que se inspira na nostalgia para, então, andar com as próprias pernas e, efetivamente, resgatar do passado o (quase) esquecido poder de um bom espetáculo cinematográfico de efeitos práticos. Maverick, antes um adolescente ávido por adrenalina, muito embora tenha resistido a permanência no posto de capitão da aviação, apesar de todas as suas condecorações, seguindo firme em deixar-se mover pela sua paixão amoral pela aventura, agora já não é mais tão jovem assim: a culpa da morte do amigo ainda lhe pesa, e ainda mais agora, em que tem que confrontar os fantasmas do seu passado com a escalação de Rooster, o filho do falecido copiloto, para a divisão Top Gun, prestes a ser treinada para uma missão de altíssima periculosidade.


Assim desenrola-se o enredo de “Top Gun: Maverick”: entrementes ao intenso treinamento da missão, colide com os conflitos ainda mal resolvidos entre os personagens; entre Maverick e Rooster, que ressente o experiente piloto pela morte do pai, e entre Maverick e si mesmo, que, já não mais adolescente, sente a responsabilidade de assumir-se como uma figura paterna para o rapaz ao mesmo tempo que a presença deste lhe é um constante lembrete das suas lamentações. Aqui, portanto, nota-se uma solidez dramática muito mais robusta do que o seu antecessor; cortesia de Christopher McQuarrie, que, nos últimos tempos, tem conectado a emoção de acrobacias práticas assombrosas com significações narrativas marcantes como poucos no atual contexto dos blockbusters hollywoodianos.


Nesse sentido, aliás, é precisamente aí, na maneira como o filme se aproveita da ação exuberante derivada das acrobacias impensáveis feitas com caças militares, que mora a maior beleza de “Top Gun: Maverick”: ao casar essa meticulosa construção dramática – uma comovente história de um homem que, amadurecido, faz as pazes com os que o repudiam e consigo mesmo, com o próprio passado – com tal realismo espetacular que só o cinema de ação amplificado a magnitudes megalomaníacas, o longa nos mostra que o cinema ainda tem o poder de nos impressionar com formas de narração que lhes são únicas. No fim das contas, ainda não há nada que se compare à experiência que se destila de colocar a câmera no cockpit de um caça militar em plena velocidade ­­– o que separa o espectador de estar na sala de cinema e ali, junto com Tom Cruise e companhia voando de rasante entre montanhas pedregosas, sentindo a atmosfera pressionando o peito nas subidas e se desesperando quando falta a munição cara-a-cara com o inimigo em ar aberto, no fim das contas, nada mais é do que uma projeção virtual –, e, uma vez que a narrativa tem os seus sentidos dramáticos amplificados pelos efeitos façanhosos da ação prática, tal textura de realidade incomparável, a experiência de “Top Gun: Maverick” torna-se não só enérgica num sentido meramente imediato, como memorável num sentido significativamente recompensador.



Por esse ângulo, é admirável a mise en scène de Joseph Kosinski, que se vale da tecnologia cinematográfica não para facilitar a realização prática das cenas descritas no roteiro, ao contrário dos blockbusters contemporâneos, que usam da computação gráfica em nome de suas facilidades burocráticas (não que o CGI não tenha o seu lugar, é claro, mas não é absurdo de se apontar que o seu uso indiscriminado nos blockbusters, hoje em dia, serve menos às intenções artísticas dos realizadores, e mais aos interesses comerciais dos estúdios), mas sim para maximizar o efeito estuporante das proporções sublimes de “Top Gun: Maverick”. Logo, se, em “Top Gun”, Tony Scott orientou a sua encenação para o estímulo a um certo fascínio erótico por todo o contexto da aviação americana, Joseph Kosinski, por sua vez, enfatiza o êxtase produzido por um certo tipo de experiência narrativa que só o cinema pode oferecer: o realismo espetacular do cinema de ação, que tira o fôlego e faz a adrenalina correr no sangue.


O que, efetivamente, é um filme que se distancia muito da atual norma de mercado, com filmes baseados em fórmulas de sucesso e emoções postiças. “Maverick”, por outro lado, é verdadeiro, encorpado e animador. Que alegria, aliás, que ele tem feito tanto sucesso mundialmente (e espero, do fundo do meu coração, que esse sucesso não se deva só à nostalgia cultural do primeiro “Top Gun”, porque este novo filme tem muito, mas muito a oferecer por si mesmo). Portanto, mais do que ser uma simples legacy sequel, “Top Gun: Maverick” sedimenta-se, nos dias de hoje, como tão culturalmente relevante quanto o seu irmão mais velho e mais pomposo, partindo do mesmo artifício de um intenso envolvimento emocional, ainda que por motivos muito diferentes: num oceano de mediocridades artificiais, “Top Gun: Maverick” se desponta como um sinalizador de um aviador abatido numa floresta iraniana, com a coragem de um ator fascinado pelas experiências sublimes do cinema que aposta num projeto tão ambicioso. “Top Gun: Maverick”, hoje mais do que nunca, é o tipo de blockbuster que precisamos.


Nota do crítico:


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