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Foto do escritorLucas Tameirão

The Puffy Chair (2005)

Perceber-se um ao outro na história de um relacionamento em crise



Um aspecto notável de The Puffy Chair é que cada personagem tem traços característicos muito marcantes. Josh (Mark Duplass), de um lado, é meio infantil e insensível, peculiaridades estas que incomodam Emily (Katie Aselton), sua namorada. Ela, do outro lado, é um tanto passiva-agressiva e faz Josh se sentir sobrecarregado com certas expectativas que ela impõe sobre ele. Assim eles soam ao espectador, mas, acima de tudo, assim eles se sentem um em relação ao outro: ela sente que ele é meio infantil e insensível, ele sente que ela é passivo-agressiva e muito exigente.

Nesse sentido, é interessante a forma como o filme, por meio de uma abordagem ultra-realística, reflete sobre a maneira como as pessoas percebem umas às outras. Ou seja, do mumblecore das atuações (estilo de performance baseado numa espécie de “não-atuação” que enfatiza interações espontâneas e despojadas, mais em busca de se acentuar cacoetes de personalidade do que de expressar algum conteúdo dramático mais vigoroso por meio dos diálogos ou pela composição dos personagens), ao uso de cenários reais e figurinos casuais, à participação de não-atores e ao uso da própria câmera de vídeo, cuja decupagem pode soar um tanto improvisada e amadora em alguns momentos, toda a encenação produz uma impressão de realidade muito convincente. O filme, enfim, não possui um rigor planejado mais evidente, as performances não parecem compostas de modo a mirar num objetivo dramático específico; por outro lado, a sensação é que, em The Puffy Chair, os personagens são pessoas reais interagindo casualmente e sendo registradas por uma câmera que os observa no estilo informal e despretensioso de um vlog.

Contudo, essa impressão de realidade não passa, tão-somente, de uma impressão. O que ela efetua, por outro lado, é fazer com que os personagens não soem como caricaturas de suas idiossincrasias peculiares. Isto é, dada toda a estética despojada e realística da composição do filme (ou seja, “realismo” no sentido de reprodução do real, algo talvez próximo do cinema verité), a sensação de realidade resultante permite que os personagens não recaiam em representações caricaturais dos seus trejeitos de personalidade; em vez disso, eles simplesmente expressam-nos de forma espontânea. E essas expressões espontâneas de personalidade – isto é, das características singulares que constituem uma individualidade –, afinal, não são muito diferentes da maneira como as pessoas, seres humanos reais e não personagens concebidos, se expressam naturalmente.



Logo, quando o espectador se depara com, digamos, Josh, ele não concluirá que se trata de um personagem que representa alguém infantil e insensível; a impressão mais imediata, na verdade, é que Josh, simplesmente, é Josh, ou seja, que o personagem é na verdade um indivíduo real, dotado de características de personalidade que o tornam único e que se expressam naturalmente, involuntariamente. O ator Mark Duplass, inclusive, além de se filiar bastante ao mumblecore, faz pouca diferenciação entre os seus próprios trejeitos e os de seu personagem. Por sinal, esse procedimento performático é recorrente na carreira do ator, cujos filmes tendem a seguir essa abordagem ultra-realística.

Com isso, o filme propõe uma interessante reflexão: na realidade, as pessoas não vêem umas às outras como exemplares inócuos de “seres humanos”, e sim como amontoados de características singulares, algumas cativantes, outras porventura irritantes. O que assimilamos dos outros ao nosso redor, isto é, são as peculiaridades que as tornam únicas, e estes trejeitos, por sua vez, são o que nos atraem ou nos repelem. Assim, Josh e Emily não se vêem como organismos humanos complexos, mas percebem os traços de personalidade marcantes que os definem aos olhos um do outro, da mesma forma que, quando nos deparamos com uma outra pessoa, o que de fato enxergamos não é uma performance da individualidade do outro, mas sim os seus atributos individuais se manifestando espontaneamente. Com efeito, isso é justamente o que acontece quando nos deparamos com os personagens de The Puffy Chair.



O que fica claro no filme é que são justamente esses traços definidores que emanam espontaneamente de Josh e Emily, respectivamente, que estão em fricção no relacionamento deles. Desse modo, na viagem em busca da confortável poltrona reclinável que Josh quer dar de presente de aniversário para o seu pai, o que está em jogo na narrativa de mote road movie – isto, é, uma viagem rodoviária material que suscita uma trajetória dramática metafórica e/ou implícita – é se a jornada será a salvação do amor ou, enfim, o último prego no seu caixão.

(Vale ressaltar que Rhett, o irmão de Josh, é o único personagem que foge um pouco dessa tônica de realidade performática; embora preserve um elemento de espontaneidade oriundo do mumblecore, a interpretação do ator Rhett Wilkins vai por um viés propositalmente burlesco, como se o seu personagem fosse uma criança no corpo de um adulto. Dessa maneira, a presença narrativa do coadjuvante talvez seja melhor apreciada pela ótica Junguiana: Rhett é o típico trickster, ou seja, uma força oriunda do universo narrativo dedicada à desordem e ao caos, às vezes, como acontece em The Puffy Chair, de maneiras contraditórias, e seu intuito na trama, em última análise – e isso é algo que o próprio personagem toma consciência em dado momento – é provocar muitas das situações que compelem Josh e Emily a encararem as suas inadequações como casal.)

Ademais, na busca da poltrona reclinável, é notável que a narrativa vai tomando forma de maneira mais orgânica, se aproveitando de modo oportuno dos arredores de cada cenário. Como se o desenrolar dos sub-núcleos ao redor da busca pela poltrona fossem surgindo de maneira improvisada (com parte considerável dessas situações sendo provocadas, como mencionado acima, por Rhett). Desse modo, na perspectiva do filme, a própria ideia de uma relação romântica é mais uma espécie de improviso que pode ou não ser frutífero do que um destino a ser inevitavelmente consolidado.


Aliás, a própria ideia de que o amor é um destino é ironizada pela narrativa de The Puffy Chair: em determinado momento, Rhett conhece o “amor de sua vida”, Amber, num cinema de rua – uma proposta de romance que não funciona no cenário descontraído de The Puffy Chair, a não ser que seja para ser alvo de piada –, se “casa” em toda uma sequência que surge do nada e ao nada retorna, e logo na manhã seguinte o irmão do protagonista aparece dizendo que “se divorciou” e que “não era para ser”; afinal, tudo é encarado como uma situação cômica que se aprofunda em sua aleatoriedade e, enfim, é jogada na conta da natureza caótica de Rhett. Assim, no fim das contas, a questão não é se Josh e Emily estão “destinados um ao outro” ou coisa do tipo, mas sim se eles complementam como um casal. E é mesmo isso o que de fato importa num relacionamento, no fim das contas: se duas individualidades, cada uma com a sua peculiaridade, estão se complementando ou não.


Nota do crítico:


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