A trajetória do armador é vista com um olhar efervescente no amadorismo passado e distante no profissionalismo do presente
Em 2020, no início da pandemia, Arremesso Final (Jason Hehir) fez sucesso ao contar a trajetória de Michael Jordan desde o seu início na NBA até seu último título. Na série, a estrutura narrativa reveza entre toda a trajetória do astro na liga de basquete e a última vez que ele utilizaria a camiseta do Chicago Bulls, assim, enquanto acompanhamos como ele se tornou esse ícone do esporte americano, vemos a epopeia que foi a temporada de 1997-98. Com 10 episódios, esse vai e vem não só fica suavizado como também facilita enxergar as reverberações do passado no futuro com uma escolha muito precisa de arquivos, que parece sempre achar elos entre um e outro. Ao que tudo indica, a série da Netflix fez escola e Stephen Curry: Subestimado (Peter Nicks, 2023) emula, sem sucesso, seu formato.
No novo lançamento da Apple TV+ acompanhamos a trajetória do maior arremessador de 3 da história em seu passado desacreditado e ao longo de uma temporada sem grandes apostas. Como é de se esperar, as expectativas são superadas, ele se torna um dos maiores jogadores da NBA e vence o título da temporada em questão, mas, diferente do seriado de Jordan, nem a estrutura nem seu material são bem trabalhados em sua construção.
O ritmo do filme sofre muito com essa montagem de idas e vindas justamente por não saber equiparar os momentos. Além de não existir nenhum elo narrativo entre ambos, o dinamismo do passado se sobrepõe à calmaria do presente e, ao invés de se complementarem, a sensação que fica é de uma interrupção, quase como um comercial que entra na melhor parte da novela. Isso porque, enquanto as imagens de arquivo vão buscar múltiplas gravações que transbordam personalidade, desde a mãe e colegas de faculdade a partir de uma ótica caseira até o telejornalismo e transmissões dos jogos universitários tirando leite de pedra para tornar tudo o mais interessante possível, as do presente são tão monótonas quanto poderiam ser.
Na hora de captar as próprias imagens, Peter Nicks não tem vontade alguma de construir qualquer coisa que não seja a simples presença ao lado de Stephen Curry. Em grande parte das cenas, os recortes de sua vida são simplesmente desinteressantes, não tem o mínimo de movimento, drama e quem dirá subjetivismo. O diretor se contenta em colocar a câmera na cara do jogador e sua família, captar uma piadinha aqui e ali, uma ligação entre companheiros de time e demais momentos que não auxiliam ao filme a entregar uma outra perspectiva sobre o jogador. O ponto crítico é quando, artificialmente, ele insere o falatório de comentaristas esportivos falando sobre o fracasso do time de Golden State enquanto Curry permanece com a cara mais apática possível.
Claro, quando consegue seu diploma e quando se sagra campeão mais uma vez, a contemporaneidade ganha um novo frescor, mas pelo simples acontecimento e não por qualquer sensibilidade de quem assina a obra. De qualquer modo, a figura principal é vista de longe e nem mesmo as entrevistas que intercalam tudo conseguem conferir personalidade a esse ser mitológico que o filme acompanha. Digo mitológico pois sabemos da sua origem, um passado heróico que enfrenta gigantes, mas no presente ele se mantém obscurecido e distante do espectador.
Nota do crítico:
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