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Shin Kamen Rider (2023) | A magia imagética da fantasia

Em um mundo ávido por realismo no cinema, o novo filme de Hideaki Anno destila na imagem o melhor do cinema fantástico



Anno é indiscutivelmente um dos autores mais talentosos quando se trata de criar narrativas que transcendem os limites da realidade por meio da fantasia e da violência. Sua habilidade em desenvolver histórias com personagens complexos e ricos em nuances psicológicas é notável, em Evangelion, por exemplo ele demonstra sua maestria ao explorar temas profundos como depressão, medo, covardia e até mesmo a ausência paterna, utilizando-se da fé e dos simbolismos religiosos como uma ferramenta para dar vida a esses temas. Em Shin Kamen Rider, sua mais recente obra, Anno continua sua jornada criativa ao abordar a potência da memória como um elemento central na trama. Neste filme, a saudade, as lembranças e os traumas do passado ganham uma dimensão marcante, conferindo uma intensidade única à narrativa. É admirável a maneira como Hideaki Anno trata os traumas dos personagens de maneiras diversas porém análogas: o protagonista, que perdeu o pai, lida com essa perda de forma benevolente e se opõe à violência (pelo menos ao máximo que pode), enquanto o vilão, com um passado semelhante, canaliza sua dor para alimentar seu ódio. Ao explorar essas emoções humanas profundas e até mesmo épicas oriundas das clássicas histórias de heróis da Grécia antiga, Anno revela que a raiva e o amor têm uma relação mais próxima do que aparentam. Essa capacidade de entrelaçar esses sentimentos tão contrastantes é uma das marcas registradas do autor.


Sua habilidade em estilizar imagens de ação frenética resulta em cenas cinematográficas memoráveis, tornando sua decupagem única e arrebatadora. A movimentação da câmera, às vezes reminiscente de cutscenes de videogames ou cenas de animes, mantém a atmosfera fantasiosa constantemente, como se Anno deliberadamente nos recordasse da irrealidade da trama. Shin Kamen rider não é a realidade, e ele não deseja que seja; isso confere ao filme uma certa autoconsciência cinematográfica. Esse toque de "falsidade" é uma característica distintiva que brilha na obra, conferindo uma dinâmica singular ao filme. A habilidade do autor em criar um universo envolvente e visualmente impactante é testemunho de seu talento e maestria na arte da narração visual.



Hideaki Anno é um diretor que se destaca ao trabalhar com a estética dos quadrinhos e mangás, portanto, a sua originalidade de abordagem está na captura da ação — como movimentos corporais exagerados e um cenário pictórico com traços "cartunescos". Além dos gestos dos personagens em cena, Anno concebe a imagem uma ilustração de movimentação que são características típicas dos quadrinhos, fazendo com que transmita de maneira eficaz uma atmosfera de fantasia que envolve os espectadores em uma imersão profunda. Poucos autores conseguem alcançar esse nível de envolvimento com o público, tornando sua abordagem verdadeiramente impressionante. A estilização que ele emprega é cativante e capaz de transportar o espectador para um mundo cheio de emoção e imaginação, como se eles (espectadores) adentrassem nas histórias em quadrinhos que lia quando mais jovens. Até mesmo a violência gráfica traz à tona essa estilização mais exagerada e surreal. Ela mergulha com veemência na ideia da fantasia, transformando a violência não apenas em uma expressão artística, mas também como um reflexo do desequilíbrio mental dos personagens.


Outro ponto interessante é a abordagem de Hideaki em relação à memória. Nesse contexto, a "falsidade" desempenha um papel importante, pois nossas lembranças nem sempre são confiáveis e podem ser influenciadas por nossas emoções e percepções do passado. Hideaki, habilmente joga com essa ambiguidade, mantendo a aura de irrealidade mesmo ao lidar com a memória, o que amplia ainda mais a profundidade da narrativa. É inegável que Anno é um mestre em não abandonar o irreal, pois até mesmo a morte em suas obras ganha significados e interpretações únicas. Sua habilidade em transformar a morte e situações surrealistas em algo impactante e belo é genuinamente cativante. Shin Kamen rider é um exemplo da genialidade de um autor que vai além das fronteiras do comum e do real, seguindo um caminho que por muito tempo foi abandonado pela autoridade cinematográfica. A combinação de elementos fantasiosos, ação frenética, desenvolvimento psicológico e a abordagem das complexidades da memória tornam sua obra singular e inesquecível.


Nota do crítico:


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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