Guy Ritchie abandona sua construção fria para implorar empatia ao público
O filme começa muito bem. Em uma batida, soldados americanos são pegos desprevenidos por uma explosão que mata o intérprete do grupo liderado por John Kinley (Jake Gyllenhaal), já deixando claro a existência efêmera de todos os personagens em tela. Essa cena lembra muito a abertura de Guerra Ao Terror (Kathryn Bigelow, 2008), referência que se assemelha muito em tom ao que Ritchie constrói nessa primeira metade. Em uma hora de rodagem somos introduzidos a um ambiente hostil e ríspido. A montagem acelerada apresenta todos os personagens e não demora para colocá-los em ação, conflitando John com Ahmed (Dar Salim) para então criar o tão celebrado pacto entre os dois.
A primeira virada do filme funciona sob essa proposta séria e é muito boa. Pegos em uma emboscada do Talibã, só sobram os dois e a dinâmica do filme muda de caçada para sobrevivência. Ele não se preocupa em matar todos os demais soldados que apresenta com nomes em tela, acentuando ainda mais essa noção de brevidade na guerra. Ter de voltar para sua base a 120 km de distância de onde estão enquanto são perseguidos pela organização terrorista eleva o nível de tensão à enésima potência e sinto que a linguagem de Ritchie acompanha essa seriedade. O silêncio é mais implementado, os diálogos reduzidos e o espaço muito bem disposto.
O momento em que se abrigam em uma pequena estrutura e são acordados pelo rádio que tomam de um dos inimigos é um ótimo exemplo do estilo mínimo, mas ainda presente, empregado pelo diretor. Em closes separados, a câmera se aproxima de ambos enquanto dormem, unindo-os uma vez que compartilham o mesmo pesadelo, e se afasta quando acordam e entendem a situação que os cerca, trazendo-os de volta para a realidade.
Todavia, esse “minimalismo” e o universo de sutilezas morre na próxima virada, não tão longe da primeira, quando Kinley é seriamente atingido e Ahmed fica encarregado de carregá-lo pelo terreno acidentado de volta ao posto seguro. Por mais que durante uma hora inteira o diretor tenha depositado suas fichas em sua visão sóbria, ele ainda não acredita que vendeu sua premissa para o espectador e, desse ponto em diante, o filme todo passa a implorar por empatia. As grande angulares recheiam a tela com a situação excruciante do soldado americano e a peleja do intérprete afegão é gravada quase como uma cena de treino do Rocky Balboa.
Desde então, o filme só se desarticula. Ele deixa de lado essa alcunha simples de acompanhar soldados em uma missão, para se tornar um drama de parceria entre diferentes que, na verdade, além de explicitar a desigualdade, encara o enredo dentro de uma dicotomia muito superficial. A jornada do bom cidadão americano ressoa na culpa, mas torna a problemática social em uma questão individual.
Clint Eastwood olha para o cidadão norte-americano padrão e o disseca em suas falhas para reconstruí-lo através do diferente, na contramão, Kathryn Bigelow afasta tanto o público de seus personagens que explicita as falhas do sistema militar estadunidense. Guy Ritchie, entretanto, não consegue estudar, de qualquer forma, o cenário que retrata após o filme individualizar seus conflitos. Se Paul Verhoeven fez Showgirls e Instinto Selvagem através do olhar estrangeiro sobre os gêneros e sonhos norte-americanos, o máximo que a visão de Ritchie permite é um endosso à idéia heróica da presença americana no Afeganistão, resgatando seus residentes depois de provocar seus problemas. Curioso como todo militar americano está sempre cercado por maçãs podres.
Nota do crítico:
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