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Foto do escritorDavi Alencar

Noite Passada em Soho (2021)

Visualmente impressionante como sempre, Edgar Wright desenvolve uma trama interessante emparelhando terror e opressão que peca ao desencaixar sua virada com o que a precede.



Dentre os diretores contemporâneos de mais destaque, e porque não dizer os mais novos, o cinema de Edgar Wright sempre foi um dos mais inventivos. Na engraçada trilogia Cornetto, no dinâmico Scott Pilgrim Contra o Mundo e no ritmado Baby Driver - Em Ritmo de Fuga o diretor não só revelou o quanto entende dos seus gêneros como também atestou sua habilidade e criatividade ao utilizar os recursos que o cinema tem para oferecer em prol da narrativa de uma forma muito única e divertida.


Noite Passada em Soho, seu último lançamento, por mais que tenha muito do que fez previamente, traz novos ares para o diretor com o terror, já que Todo Mundo Quase Morto só flerta com o gênero, e com o roteiro recheado de um teor social muito próprio. Todos os seus filmes são, na simplificação do sentimento, magnéticos, mas este se destaca por provocar essa atração elevando o conteúdo à forma e ambos se beneficiam mutuamente na maior parte do filme e da sua construção narrativa de pautas e sentido, por mais que seu desfecho encontre algumas pedras pontiagudas e delicadas no caminho.


A primeira parte é gloriosa dentro da proposta. Não só o deslumbre de Ellie com a cidade grande e como de imediato já a oprime no presente como também a criação de uma Londres efervescente dos anos 60, que posteriormente se torna tão assombrosa quanto, no passado. A ponte entre sonho e realidade não só é visualmente mágica como bem interessante, enquanto a protagonista consegue conviver com a cidade que esperava, ela traz para o presente a inspiração que precisa para progredir em seu sonho familiar. Todavia, as duas jovens, cheias de vontade e concretizando seus desejos, são suprimidas pela mesma força urbana aterradora.



Mas não é como se Londres fosse um único personagem, ela é muitos e isso torna o filme de fato assustador. Como a própria Mrs. Collins diz antes de descobrirmos quem de fato é “em cada quarto dessa cidade já morreu uma pessoa”. Por mais que os fantasmas assombrem Ellie, há um homem em cada esquina pronto para assombrar, assediar ou abusar de cada mulher que se disponha a sair de casa. Do mesmo jeito que Wrigth é mestre em visualmente criar comédia, aqui ele usa todo seu arsenal para atiçar o medo, a paranóia e o assombro tanto do sobrenatural quanto do físico.


O panorama muda muito com a grande virada que o filme dá: por mais que a duplicidade moral que se instaura a partir das atitudes de Sandy não seja de toda ruim, quando sobreposta com o que o filme constrói de paralelo entre a história das duas, coloca toda a narrativa desenvolvida até então em uma zona cinza muito esquisita. O que tinha de mais interessante, como as histórias se conversando e como uma puxava coisas da outra, deixa de acontecer. Não que uma mensagem final conformista tivesse que imperar, mas há um desenvolvimento dentro de uma hora e meia de filme que se perde em prol de uma revelação que não faz nada fora subjetivar o ponto de vista de um filme cujo a substância residia precisamente no ponto de vista traçado até então.


Reforçando, existe sim algo de muito bom no contraponto. Sandy não está certa nem errada e gosto do filme ter um julgamento de valor sem resposta dentro de seu enredo. É a construção que, ao desvanecer a opressão na insanidade, faz com que a potência alcançada até então se dissipe. A protagonista continua sendo desacreditada e as provações e problemáticas as quais é submetida não mudam ou ao menos são contornadas. O filme simplesmente vira por virar e a cambalhota destoa da narrativa ao invés de encerrá-la ou surpreendê-la.



Na própria cena final, quando os homens mortos falam em uníssono “me ajude”, o dilema moral se torna mais uma indecisão em quem de fato cumpre cada papel. Nem aposta em uma trama de vingança feminina por completo que desenha ao longo de todo seu desenrolar nem menospreza por completo a construção até então para criar o monstro, o que seria frustrante mas ao menos seria uma decisão.


Não dá para dizer que Noite Passada em Soho é um filme ruim, mas decepcionante é uma palavra que não sai da cabeça ao pensar nele, por mais que o filme tenha alugado um espaço na minha cabeça por tempo indeterminado. Ver um diretor como Edgar Wright destrambelhar uma peça visual tão refinada e eficiente é uma frustração que toda a primeira parte da obra não consegue bater. O que resta é a esperança de vê-lo arriscando em outros gêneros, até mesmo uma segunda chance no terror, em suas próximas empreitadas.


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.

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