Em seu segundo longa, Kelly Fremon Craig se situa rapidamente como uma cineasta interessada em contextualizar e ampliar o escopo de observação para retratar não apenas a vida de suas protagonistas, mas também de todo o ambiente de relações que as cerca.
Há filmes que, mais do que contarem uma história através de recursos audiovisuais, abrem portais na mente de quem os assiste, criando uma relação simbiótica de emoção e atenção, sem que se precise interromper um para sentir o outro. Não são necessariamente marcos temporais novos que esses filmes estabelecem, ou grandes revoluções na linha cronológica de fatos pessoais que marcam nossas vidas, mas um olhar revisionista para onde estávamos e o que se pode tirar do passado para somar onde estamos. O segundo longa de Kelly Fremon Craig (que também é roteirista e já havia dirigido o ótimo e bem sucedido Quase Dezoito) aposta em generosidade, graciosidade e ternura, três grandes pilares e características que eu atribuiria às melhores pessoas que conheço, para um período específico da infância: um momento muito particular da vida, em que você não é nem criança e nem adolescente, mas está em fase de transição, na puberdade.
A protagonista de Crescendo Juntas, Margaret (Abby Ryder Fortson), se vê congestionada, em meio à efervescência cultural e social dos anos 70, por um turbilhão de perguntas e demandas que a fazem todos os dias testar sua fé e perseverança, sem deixar de ter uma curiosidade muito intuitiva de obter mais informações sobre o mundo, e, consequentemente, o seu mundo, e o de sua família, que começa o filme em estado de mudança. Se a dela é física e comportamental, a deles é meramente geográfica (de Nova York para Nova Jersey; de uma escola para outra; de um emprego para outro), mas interfere muito no seu dia-a-dia. Seus pais têm uma relação um pouco acima de cordial: boa, mas sem muita brecha para a constante troca de afetos. Até porque Barbara (Rachel McAdams), a mãe de Margaret, apaixonada por artes plásticas, fez o que muitas em seu lugar fizeram nos anos 70: ficou em casa, disponível para ajudar a filha nas tarefas escolares, sem no entanto descartar sonhos profissionais, enquanto o marido, Herbert (Benny Safdie) trabalhava, sorria, acenava e era simpático, mas menos presente do que ela na formação da filha. Quem fazia questão de participar da rotina, e já nos foi apresentada dessa forma com poucos minutos de tela, era Sylvia Simon (Kathy Bates), a avó amada que reforçava os valores judaicos com que o filho foi educado.
Além da direção e do comprometimento do elenco com suas respectivas atuações, o filme tem como produtor o excelente diretor, roteirista e cronista do cotidiano James L. Brooks, que sempre soube emendar muito bem as tramas com as quais trabalhava. Sua especialidade foi e é a de ser um artesão de relações, conectando pessoas e sentimentos diretamente da fonte: o convívio diário entre seres humanos, com as dores, as angústias e os prazeres que emanam dali. Faz sentido ele estar envolvido em um projeto tão sensível e apoiá-lo.
Craig reforça sua habilidade em dar alma e trazer personalidade ao coming of age americano moderno, em projetos extremamente sensíveis e acolhedores, como as personagens que fazem parte deles: o retrato ganha forma não só através de Margaret e de seu grupo de amigas e colegas, que têm dúvidas sobre tudo, sendo a espinha dorsal dos temas a religião e a busca por uma fé em algo ou alguém que não necessariamente possua alguma forma física, mas também da rede de suporte e convívio de uma série de assuntos adultos (representados por pessoas, símbolos ou ideias) que fazem parte do entorno desse cotidiano e ajudam a ilustrar a perspectiva dessa fase tão única que é a faixa etária dos 11-12 anos, como neste, ou dos 16-18 anos, como no caso de seu igualmente maravilhoso
filme anterior, Quase Dezoito, sua estreia no cinema.
Nota do crítico:
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