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Império dos Sentidos (1976)

Oshima faz uma obra que atravessa tempos e que utiliza o sexo no Cinema como uma premissa para discutir relações de poder, controle e obsessão com forte comentário de gênero no Japão pré-guerra



Tudo no mundo é sobre sexo, exceto o sexo: sexo é sobre poder.

Essa frase, atribuída a Oscar Wilde, mesmo anos depois ainda sintetiza muito bem o que o sexo representa, tanto em sociedade, quanto na arte. O poder que move o mundo perpassa pelo sexo enquanto forma de manifestação seja de controle, seja de hierarquia. Em Império dos Sentidos, o sexo que vemos de forma explícita em tela é sobre tudo que advém a partir da sua manifestação, e menos sobre o ato em si.


A história, focada na gradual perda de controle de uma prostituta que se torna obcecada pelo seu Mestre, tem muito a dizer sobre a inamovibilidade de classes que existia naquela época, sobre a posição desprivilegiada dessas mulheres no contexto do Japão pré-guerra, sobre si mesmas, sobre o ato sexual e sobre o afeto que não recebiam dentro dessa estrutura patriarcal do que sobre, apenas, a polêmica gerada pela demonstração sem pudores das suas cenas tidas como chocantes.


Em um contexto onde as mulheres dificilmente tinham o direito de ter seu próprio prazer priorizado, o sexo enquanto manifestação de poder acaba atribuindo à personagem uma sensação de controle diante da própria vida e do próprio destino. O empoderamento sexual de mulheres, para as quais sempre foi negado o orgasmo, ao contrário dos homens aos quais sempre foi entendido o ato de gozar como necessário para reproduzir, torna o ato sexual um momento raro de autoconhecimento e, por consequência, autoafirmação.



Se ser mulher era, especialmente na condição de prostituta, se valer da total dependência masculina para sobreviver, espera-se que quando um homem finalmente prioriza seu bem-estar em detrimento próprio, a personagem entre em um imediato conflito que representa, no fundo, o desespero em perder o controle do único traço que fazia de sua vida mais suportável: o relacionamento obsessivo ali nutrido.


Como prostituta, ela jamais poderia ascender na hierarquia social japonesa. O status de esposa do Mestre não poderia lhe ocorrer pois era vista como impura. Diante disso, o casamento do seu objeto de desejo e o pedido posterior para que este fosse liberado da condição de um praticamente escravo sexual, entorpecido com o ópio, é em suma uma sentença de morte, que o reduz à condição de mero instrumento para o caminho de libertação da protagonista. O qual, ironicamente, irá significar a sua prisão.


No caminho de retratar todos esses temas, o diretor irá utilizar de planos-detalhes que levam quem assiste aos dois espectros do sexo: da excitação à repulsa. Nos primeiros momentos do filme, o ato sexual é filmado de modo a provocar no espectador o desejo de um sentimento proibido, visto que a dinâmica do casal ainda não se tornou nenhum pouco violenta ou repulsiva. Pelo contrário. Todas as situações são filmadas de modo a evocar um sentimento de desejo, que vai se transformando em algo obsessivo e perverso à medida que a câmera ousa chegar mais perto.


Essa proximidade, junto à menor movimentação possível da câmera e um naturalismo na decupagem das cenas, provoca no espectador que sente a insanidade invadir a tela sem nada poder fazer, uma crescente agonia, que é potencializada por uma trilha sonora de instrumentos de corda, caracteristicamente japonesa. Apesar de filmes bastante distintos em termos de abordagem, Salò (1975) de Pier Paolo Pasolini assim como Império dos Sentidos, irá usar do sexo para criar uma história complexa e eterna sobre sociedade, poder e controle.



Aqui abro um parênteses, enquanto me encaminho para o final deste texto, para apontar que o lapso temporal de apenas um ano entre ambos lançamentos não é mera coincidência. Nos anos 70 o crescente movimento de contracultura e críticas ao conservadorismo ao redor do mundo permitiram o nascimento de obras que se tornaram marcantes pela sua abordagem até então inegavelmente polêmica sobre temas considerados grandes tabus, onde neste hall, o sexo vinha em primeiro lugar.


Diante das crescentes discussões conservadoras sobre cenas de sexo dentro do cinema, é importante lembrar da existência de filmes como Império dos Sentidos, filmes que utilizam do sexo como um ponto de partida para contar histórias que envolvem a abordagem deste tema no viés de verdadeiros catalisadores de discussões e tabus que a humanidade, independentemente da religião ou da parte do globo, por vezes prefere não encarar.


Faz-se necessário, ainda, que dentro de uma nova cinefilia, às vezes tão radicalizada pelo preciosismo dos seus temas, pensar sobre o cinema com uma mente mais aberta à maneiras diferentes de ver o mundo, levando em consideração até mesmo o que essa arte representa, adotando um ponto de vista menos inflexível no que tange a abordagens e temáticas, que possa levar à interpretações mais múltiplas e menos óbvias - algo que filmes como esse certamente podem provocar.


Nota da crítica:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:


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