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Deserto particular (2021)

A universalidade do drama romântico nas particularidades contextuais e culturais.



Por certo ângulo, podemos dizer que “Deserto particular” é o “Paris, Texas” brasileiro: assim como na obra de Wim Wenders, a intensidade e a fluorescência da paixão entre os dois protagonistas são relegadas à superfície das imagens, já que, entre eles próprios, o sentimento vê-se prolongadamente incapaz de se concluir, por infortúnios que vão de contratempos materiais até o âmago dos conflitos internos mais íntimos de cada personagem.


Afinal, a distância física entre eles é do tamanho do vazio que há na alma de cada um, causado não só pela falta do afeto que eles encontram na relação que mantém, mesmo virtualmente, como é o caso no início do filme (o que, diga-se, é grande parte do que motiva toda a jornada de Daniel em busca de Sara, cruzando o país num impulso de paixão em busca de um amor verdadeiro), mas principalmente pelos conflitos circundantes nos seus contextos: no caso de Sara, a vida conturbada numa cultura que vê a expressão de sua individualidade como uma espécie de aberração moral, e, no caso de Daniel, conforme se revela no desenrolar da narrativa para efeitos dramáticos especialmente impactantes, a luta contra a sua própria homofobia internalizada.


Desse modo, a paixão que há entre os dois, o sentimento que os une e os mantém unidos apesar de todas essas circunstâncias, é tanto a força motriz que os impele em direção a todos esses confrontos particulares quanto o bem-vindo e necessário alívio às suas aflições – um oásis em meio ao deserto, por assim dizer.



Ademais, voltemos brevemente a o que eu disse no início deste texto, que “Deserto particular” pode ser lido como o “Paris, Texas” brasileiro. O que significa, exatamente, dizer que um filme é “brasileiro”? Bem, num sentido mais óbvio e amplo, significa dizer que ele foi rodado no Brasil. Mas um olhar mais minucioso notará que, muito embora a problemática que dite o desenrolar dramático de “Deserto particular” almeje uma certa universalidade – o filme, em última análise, é uma reiteração brasileira da clássica tragédia da paixão que não se conclui por força das circunstâncias –, a fonte de onde influem os impedimentos à relação de Daniel e Sara contém questões que remetem diretamente à aspectos da cultura brasileira.


Desse modo, o Brasil efetivamente está na estruturação dramática de todo o longa, da influência militar que rege os hábitos e influencia a formação da psicologia conturbada de Daniel ao fundamentalismo cristão que impede Sara de expressar a sua individualidade, para si mesma e para o mundo. Logo, ainda que, dado o teor universal do drama, “Deserto particular” possua essa abrangência de identificação sentimental, o filme, não obstante, possui pulsante coração brasileiro. E que entusiasmante alegria é sentir o cinema brasileiro mais vivo do que nunca!


Nota do crítico:


Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:



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