Sem medo de referências, Michael B. Jordan confia nos animes para desenhar as representações de seu filme e triunfa em seu primeiro crédito como diretor
A franquia Rocky sempre teve um universo muito conciso, com reverberações apoiadas nos capítulos predecessores e seguindo às regras estabelecidas neles. Quando olhamos especialmente para as sequências de combate essa delimitação fica mais fácil de visualizar. Embora alguém não familiarizado com esse mundo possa considerar as lutas realistas, a quantidade de pancadas que tanto Rocky quanto Adonis recebem em cada novo confronto vai muito além da capacidade humana de suportar.
Essa pequena suspensão de descrença, dentre muitas, é o que torna a saga tão empolgante. A possibilidade de um lutador iniciante se erguer do absoluto nada e render dez rounds de trocação com o campeão mundial, segurando-se tão somente em sua força de vontade, adiciona uma camada de aproximação enervante à narrativa. Ainda que reconheça esse conceito, Michael B. Jordan não exita em dar um novo passo na representação visual de seus conflitos e, mesmo com sua porção de clichês enfadonhos, acha um caminho para rejuvenescer a franquia logo em seu primeiro trabalho na direção.
Falando especificamente das lutas, ele não tem medo de ir até os animes que tanto gosta para trazer uma nova escala de potência. A encenação é muito parecida com a dos desenhos japoneses, dando características sobre-humanas aos golpes que passam a ser a materialização da vontade, obstinação e garra daqueles lutadores. Enquanto a avaliação mais racional seria afastar o espectador dessa sensação palpável ao mesmo tempo que se afasta do realismo, Jordan nos puxa para perto ao ressaltar o porquê e não como aqueles socos são trocados. Não que os outros dois não fizessem isso à sua maneira, mas a criatividade nas referências de sua linguagem é bem particular para esse fim, elevando as sensações.
Avaliando dessa perspectiva, o ato final é uma amálgama. Nele temos o que há de melhor em Creed III, mas antes de qualquer coisa, gostaria de tomar um tempo para falar do que há de pior. As montagens de treino são sempre um momento muito esperado, usualmente próximas ao grande embate final, são elas as responsáveis por inflamar o público antes do clímax. Dos três filmes até então, esse é o que a faz da maneira mais fraca. Intercalando cenas do vilão com o mocinho, ele não constrói nada e o pouco sentimento que encontra para motivação vem de momentos recortados dos outros filmes. Chega até a ser irônico, um balde de água fria para desarmar o espectador antes de se deliciar com a grandiosidade da última luta.
O estádio dos Los Angeles Dodgers é onde a melhor cena acontece. Enquanto seus protagonistas se enfrentam, Michael B. Jordan não tem medo de sacar a fantasia da manga e, mesmo afundando um ou outro clichê, encena seu tema na luta. Quando o público some, os dois se enfrentam sozinhos. Abrindo mão das defesas, eles trocam golpes a esmo na mesma postura que tem em relação ao outro em todo o restante do filme, ataque. Em um momento que mais parece uma releitura de Dragon Ball Z, Creed e Dame intercalam socos no mesmo instante. Libertos do transe, esse é um lembrete de como um enxerga o outro na frente do espelho, de como eles se sobrepõem na narrativa. Um resultado muito interessante e, até então, inédito na trilogia.
Sem a presença de Sylvester Stallone, o filme não só tira Rocky de seu enredo como também tudo aquilo que lhe acompanha. Se o primeiro é, por si só, um reavivamento do universo e o segundo dialoga diretamente com um acontecimento de Rocky 4, Creed III funciona sozinho. Ampliando sua própria mitologia com um passado até então desconhecido de seu protagonista, o ‘fantasma do passado’ entra na cota de clichês que funcionam aqui. Damian “Diamond Dame” Anderson é o vilão sujo, trapaceiro e viril que esse Adonis precisava. Ainda que emule motivações parecidas com as de Drago, seu senso de vingança é amplificado pela presença de Jonathan Majors, uma carreta desgovernada de músculos e mágoas. A direção acerta em cheio na representação dos dois e não tem medo de reafirmar seus papéis. Dentre muitos exemplos para essa dicotomia, a cor dos calções de sua última luta é o mais claro: Creed, imaculado e herói, desfila de branco enquanto Dame, pária improvável, se veste de preto.
É esse tipo de simplicidade que torna o trabalho de Michael B. Jordan tão honorável. Até no que comento mais acima, sobre o uso das referências para dizer algo a mais através da luta, ele encontra aspectos simples mas muito poderosos para apoiar seu filme. Creed III é uma obra tão empolgante quanto os demais filmes de sua franquia, mas especialmente jovial depois dessa injeção otaku do diretor. Representativo ao extremo, é enervante ver a saga ter uma abordagem tão diferente enquanto ainda mantém seus moldes e consistência.
Nota do crítico:
Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular. Clique na imagem abaixo para ver mais do trabalho do autor:
Comments