Sem vigor em um retrato monótono do jovem, a dupla de diretores apresenta reflexões prontas e pouco intensas
Éric Rohmer é um dos cineastas mais importantes dentro da cinematografia francesa. Seu apreço pelo cotidiano, junto da forma única que o enxergava, encanta os corações cinéfilos de uma legião de amantes do dia-a-dia, da vida comum e de tudo de incrível que ela guarda. Não à toa, são diversas as ocasiões em que é parafraseado. Seja por seus conterrâneos, na mesma melancolia parisiense que não cansa de recorrer ao interior do país para se redescobrir, como é o caso de Embarque (Guillaume Brac, 2020); ou por aqueles além mar, e, ouso eu, citar Richard Linklater com todos os diálogos sobre a vida, universo e o teor vagueante das jornadas sem rumo de sua filmografia.
Seja essa semelhança mais frontal ou subjetiva, em todos há uma mesma força motriz: a inquietude. Hora no subtexto, hora materializada em cena, é ela que movimenta a narrativa, quebrando a ordem ou a exaltando. Tal inquietude opera quase como um motivo para o filme e, em adição, perambula com uma recompensa, comumente conceitos mais abstratos, como uma reflexão ou um entendimento. Em O Raio Verde, é a inquietude de Delphine em relação ao que fazer nas férias (estendido ao que fazer da vida) que a joga em uma busca incessante por algo. Ela tropeça no amor e, após uma epifania ao ver o elemento mítico, fecha a obra. Uma estrutura que, simplificada, se resume à procura e recompensa com um bom bocado de intensidade.
Com isso, ainda que Corações Gentis (Olivia Rochetter e Gerard-Jan Claes, 2022) emule bem os quesitos linguísticos que permeiam o centro desse sentimento, não galga a potência necessária para alcançar a prateleira de afluentes do mestre francês justamente por restringir sua inquietude ao descontentamento e olhar para o cotidiano de uma forma degradante e não exuberante.
No longa, Billie e Lucas enfrentam o final de seu relacionamento adolescente após um longo período de incertezas atravessado pela pandemia. Aqui o incômodo existe, mas nunca na forma de inquietude. Ambos sentem que a relação não é como era antes diante da nova vida que experienciam na faculdade, mas não geram movimento, muito pelo contrário, a deixam cair no ostracismo até o momento em que finda. Terminam, mas sem impulso, sem sentimento, condenando a rotina e a presença, um crime dentro da ótica “rohmeriana” que prestigia exatamente essas coisas. Eles entregam seus pensamentos prontos, divagações de sentimentos que chegam encaixotados, sem provocações, sem vigor, sem dúvidas. Diria eu que essa é uma das formas mais desinteressantes de retratar o jovem, cheio de verdades adultas.
Não necessariamente um filme precisa se submeter a essa percepção apaixonante da vida. De fato, essa ponte na argumentação é uma reflexão individual nos veios linguísticos, com uma câmera parada, movimentação restrita e planos mais abertos de Rohmer, mas não é regra nem critério, mas tanto dentro quanto fora dessa perspectiva, não sinto que Corações Gentis funcione. Inclusive, essa livre associação talvez se dê essencialmente pela falta de força em um dos lados e o excesso em outro.
A apatia é a pior das sensações depois de se terminar um filme, não é nem um misto indecifrável que não sai pela boca, é uma falta do que falar que me assola. Não é sobre ser chato ou parado, é a falta de pulso em um cinema com temas tão jovens e atuais. Que pecado!
Nota do crítico:
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