A diversão, o alívio e a consciência de um escapismo responsável
“Cavadoras de ouro" se passa durante a Grande Depressão e versa sobre personagens passando por dificuldades financeiras. Não são detalhes triviais: quer dizer que tais personagens, que levam o público numa deliciosa aventura musical, têm as mesmas preocupações do espectador que foi aos cinemas assistir a esse filme. Ficção feita para dialogar com os tempos, enfim.
E como se sentiu esse espectador ao ver o musical? Bem, posso falar por mim: me diverti bastante. Foi muito divertido me deixar levar pela história espirituosa e dançante, muito divertido acompanhar seus personagens idiossincráticos e hilários (Trixie, com toda a sua perspicácia e sarcasmo aguçados, foi quem mais me ganhou; aliás, vale tomar nota das personagens mulheres cheias de personalidade e presença, feitas para a audiência de maioria feminina da época).
Além disso, me encantei com os números musicais, estes que, por sinal, têm suas belezas ampliadas pela destreza técnica do coreógrafo Busby Berkeley. Neste musical distintamente cinematográfico, as canções não se limitam ao palco do teatro e nos abrem as portas para um universo imaginário transformado em real – nos levam para voar. Ademais, são maravilhosas as ilusões de ótica realizadas com o plongée zenital, que, pelo que sei, é a assinatura de Berkeley.
Em suma: “Cavadoras de ouro" é um filme que nos dá um espetáculo simplesmente divertido e belo para acompanhar durante umas duas horinhas. Nos dá, em outras palavras, um enredo singelo que nos ocupe a atenção, nos fazendo esquecer momentaneamente das (muitas) preocupações da vida, e que, ao final, nos deixe com o espírito leve quando se há muitos motivos para deprimir-se.
Ao mesmo tempo, entretanto, o musical não deixa de conscientizar o espectador, ao selar a experiência com um gran finale anti-guerra, cheio das imagens de horror que capturam as feridas abertas da população estadunidense de então: homens comuns transformados em soldados e enviados ao combate para “defenderem a nação”, mas, quando voltam, a “nação” em questão os retribui com… Crise financeira. Isto, apesar de toda a diversão, não se pode perder de vista.
Eis, então, o melhor tipo de escapismo, que “Cavadoras de ouro" incorpora com êxito: aquele que encanta sem alienar, que entretém o espectador sem, contudo, fazê-lo se perder na utopia do filme.
Nota do crítico:
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