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A Menina que Matou os Pais - A Confissão (2023)

Foto do escritor: Júlio OliveiraJúlio Oliveira

Buscando um contraste engajante, tudo que A Menina que Matou os Pais - A Confissão consegue ser é constrangedor



Jean-Luc Godard uma vez escreveu que “todos os grandes filmes de ficção tendem ao documentário, como todos os grandes documentários tendem à ficção”. Com essa frase, o lendário crítico e cineasta nos passa a ideia de que o cinema é, para além do registro, uma arte de criação e representação. Dessa forma, mesmo quando a própria realidade é a matéria prima de uma obra, ela poderá contar com escolhas artísticas muito particulares que a transformam em outra coisa. De maneira semelhante, o ficcional pode encontrar ecos no real, como vemos, por exemplo, no filme de estreia de Godard, Acossado, de 1960.


Portanto, não é de se espantar que um filme como A Menina que Matou os Pais - A Confissão tenha momentos que nos levem a enxergar a possibilidade de um documentário em meio a toda representação ficcionalizada. Infelizmente, tal lapso documental (se é que podemos chamar assim) é, na melhor das hipóteses, mal articulado, professoral e com uma marcante ausência de qualquer sinal de inspiração.


A raiz do problema do filme - e não falo de uma perspectiva moral, mas enquanto uma obra que busca articular a linguagem cinematográfica - está na completa indecisão de qual caminho seguir. Há, por um lado, uma estilização na montagem e na inserção de músicas cada vez mais estimulantes, tudo numa construção estética que nos leva para o início dos anos 2000. Esse exagero - que também se revela nos cortes bruscos e uma recusa em trazer estabilidade para as cenas - se mostra em sintonia com os protagonistas. Tendo cometido um crime especialmente bárbaro, tanto Suzane (Carla Diaz) como Daniel (Leonardo Bittencourt) exalam, paradoxalmente, tensão e frieza, uma articulação do que fazer após o crime ao mesmo tempo em que trazem a incerteza do que de fato ocorrerá.



Essa hiperestimulação atrelada aos exageros nas atuações - Suzane soa mais como uma caricatura do que como uma pessoa propriamente - dá continuidade ao que já vinha sendo construído nos dois filmes anteriores. O outro lado do filme, no entanto, logo aparece junto do núcleo policial. Aqui, o que manda é um suposto tom técnico e austero, com planos mais rigorosos e uma direção de atores que exige um controle total na entrega de cada linha de diálogo. Há, como consequência, a abertura para um possível filme de contrastes. De um lado, fugitivos da lei, hiperestimulados e, muitas vezes, inconsequentes. Do outro, a tecnicidade e frieza da polícia, um certo distanciamento dos eventos violentos e a busca por uma compreensão mais racional dos fatos.


As intenções até soam interessantes no papel e o filme conta com momentos (pontuais) até instigantes. Entretanto, no chocar desses dois mundos - ou desses dois filmes em um - é que os problemas começam a se revelar. Após o caos inicial provocado pelos criminosos, o que se vê é uma tentativa de apresentação dos fatos frios através das figuras dos policiais. Essa apresentação, entretanto, ocorre da forma menos inspirada e interessante possível, retirando qualquer peso emocional até então estimulado.



Isso ocorre, primeiramente, pelo texto absolutamente professoral e que duvida da inteligência do espectador. Os policiais explicam a outros policiais experientes obviedades que já nos foram mostradas várias vezes (pelo próprio filme). Para piorar, a entrega do texto remete muito mais a um programa infantil do que de fato a um filme policial. Há sempre o tom falso de surpresa, as repetições exaustivas, o olhar perplexo e supostamente emocionado para o nada. Interessante que, mesmo no encontro dos núcleos, sempre cabe aos policiais explicarem aos espectadores como os outros personagens estão se sentindo.


Esse esquema - núcleo da Suzane, núcleo dos policiais, encontro dos núcleos - se repete durante toda a metragem e não apresenta qualquer lapso de uma qualidade redentora. Mesmo a direção parece perdida e não sabe mais se abraça o caos do primeiro núcleo, ou a ordem e frieza do segundo. Quando chega o terço final do filme, há ainda uma busca incessante para alongar o óbvio, repetir os esquemas - mas agora com três personagens no centro de tudo - e, como de costume, entregar o óbvio da maneira mais desinteressante possível.


No fim, o que temos é um filme que poderia trabalhar com contrastes poderosos, mas que se torna apenas uma bagunça convulsiva de mau gosto, onde qualquer oportunidade de se tornar interessante é engolida pelas próprias armadilhas estabelecidas pelo esquema geral da obra. É cansativo, redundante e, em muitas ocasiões, embaraçoso.


A verdadeira falha moral de A Menina que Matou os Pais - A Confissão é ser um péssimo filme.


A Menina que Matou os Pais - A Confissão está disponível na Prime Video.


 

Nota da crítica:


 

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