E porque eu acho que o protagonismo feminino no cinema está me matando
Se bem que tá mais pra: como a esquerda meia bomba e o capitalismo estão destruindo toda a luta feminista de anos com um male gaze disfarçado em troca de alguns aplausos, frases de ecobag e reviews do Letterboxd. Varda, meu amor, eu estou cansada de ficar com raiva, e escrevo este texto para desfazer muitos nós em minha cabeça. Um processo para começar a compreender porque filmes que explicitamente sugam da nudez do corpo feminino um prazer que, agora, me parece infantil e mundano se comparado ao que os filmes que exploram, dentro e fora do plot, a opressão emocional, sexual, física e intelectual de mulheres, assim como a sua luta, por simples objetivos comerciais. Embora, geralmente, mascarados por narrativas positivas e “empoderadoras”.
Esses sim são os ratos imundos, que se escondem debaixo dos tapetes de protagonistas femininas mal feitas. Controlando, em tela, toda a vida, desejos e capacidades de uma mulher de forma que tudo seja vendável para nós através de usos fuleiros do cinema. É um nicho de vendas apelativo e muito bem explorado por José de Alencar e Manoel Carlos, mas o ano é 2023 e já não me interessa mais ter apenas uma mulher em um ambiente criado por um homem para agradar a espectadora e chamar sua atenção. Já não me agrada. Temos que sair dessa casinha de bonecas imediatamente.
Então vamos começar definindo a mulher nua simplesmente e a mulher nua para um homem. Em 1972, John Berger discorre sobre os modos de olhar e mulheres em pinturas a óleo. E no trecho seguinte começamos a pensar sobre as formas de olhar e definir o “objeto” em cena na pintura a óleo: “O modo como o pintor (câmera) a pintou (a viu) e suas intenções na própria estrutura da imagem, nas próprias expressões de seu corpo e de seu rosto”. Aqui é posto que há sim pontos de vista, mas Berger ainda complementa que “o protagonista não é pintado. Ele é o espectador do quadro e é presumido como homem. Tudo é endereçado a ele [...] Mas ele, por definição, é um estranho – ainda com suas roupas sobre o corpo”. Enquanto a figura da mulher é exposta nua para o protagonista. Assim, não temos apenas o male gaze que parte do pintor\diretor, mas o olhar masculino naturalizado pelo observador voyeur, seja ele homem ou mulher.
Tomemos como exemplo o texto basilar em Estudos de Gênero no cinema: “Prazer Visual e Cinema Narrativo” (1975) escrito por um dos maiores crânios dos “estudos do olhar”, Laura Mulvey. Em seu trabalho, Mulvey é uma das primeiras mulheres a descrever como seria feita a aplicação do male gaze no cinema e como esse olhar teria moldado a linguagem cinematográfica e a forma de se olhar o filme apresentado na tela. Para Mulvey, assim como para Berger, quem constrói a imagem é em parte observador e em parte quem apresenta ou constrói aquilo que é pintado para o espectador\voyeur. De modo que a imagem estática ou em movimento proporcione a sensação estética de controle sobre os objetos e as ações em cena para o voyeur\espectador, pois ele precisa da sensação de controle sobre o olhar. E para Mulvey, o homem é quem controla esse olhar, como espectador ou cineasta. Ele aprendeu a olhar assim e o perigo também mora em mulheres que não conseguem se desvencilhar de olhar para nós mesmas com o olhar do homem.
É claro que o cinema e as artes visuais mudaram muito ao longo dos anos e nem mesmo o texto de Laura Mulvey está impune de alterações e revisões, mas o mais importante agora é tentar descrever e apontar o que não está tão exposto, desenrolar as teias grudentas nas quais nós mulheres fomos amarradas ao longo dos anos.
Dessa forma, cabe apontar o primeiro rato imundo a ser exposto: Abdellatif Kechiche, um diretor com forte tara sexual por mulheres lésbicas pelo que pudemos entender sobre o filme. Em “Azul é a Cor Mais Quente” (2013), as duas personagens não são dispostas apenas como corpos nus gratuitamente no plot, como também estão longe de performarem amor, erotismo ou desejo sexual sob o “lebian gaze”. Mas é um Xrated, embora não se apresente como tal.
No filme, presenciamos o absurdo: mulheres despidas e posicionadas em tela para o espectador, presumido como homem, por 10 minutos de sexo gráfico, além do pornográfico. E esse sexo “explícito”, não é tão explícito assim, pois é um filme travestido de história de amor e descobertas entre duas mulheres, mas seus corpos e sexualidade são postos apenas para satisfazer o espectador homem em diversos momentos, elas estão lá para ele. Seja na cena de sexo, seja num close da boca ou ao mostrar uma estátua de mámore numa exposição de museu. Não são mulheres lésbicas transando, são disfarces de mulheres, pois há a espetacularização em tutorial de “como fazer sexo sem um pênis”. Diferente de cenas onde o sexo lésbico é explícito, mas nessas, a câmera não permite que o espectador participe da cena ou a controle, pois ele é posto in absentia e cabe a ele decidir se observa ou não, pois esses filmes não forçam a observação ativa e voyeurista como premissa principal da cena. É só sexo. E temos bons exemplos de cenas como estas em “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2020) e “Eu, Tu, Ele, Ela” (1974), e não por simples coincidência, ambos foram dirigidos por mulheres lésbicas.
É perfeitamente fantasioso. Então, vamos esquecer das Playboys cinemáticas explicitamente explícitas, por agora, e focar nas violentas representações femininas disfarçadas.
Voltando a Berger. O autor propõe que “estar nua é estar sem disfarce, estar na tela é ter a superfície da própria pele e dos cabelos do corpo transmutados em disfarce. Um disfarce que não pode ser descartado sem roupas, pois eles são tão formais quanto com as roupas sobre o corpo”. E aí me nauseia lembrar da Scarlett Johansson em tantos papéis, especialmente como Viúva Negra nos primeiros filmes da Marvel em que é apresentada, pois é uma personagem criada por um homem, desde os quadrinhos, dentro do arquétipo de mulher forte por ser uma sobrevivente. E assim, o trauma é a base da construção de uma personagem “feminista” novamente. Mas além dessa exploração de trauma, o seu corpo é posicionado em diversas cenas tal qual mulheres nuas em telas à óleo de séculos atrás eram disfarces de mulheres estruturadas para o espectador. Mesmo que ela sempre esteja vestida e seja uma heroína poderosa, em tela, Scarlett tem seu corpo usado apenas como tradução do male gaze, é só o disfarce de uma mulher. Em outros desses filmes, quase cinema, de heróis a opressão principal não é sobre nossos corpos, mas sobre nosso intelecto e emoções, onde somos, de forma bruta ou sutil, colocadas como inferiores aos homens.
E não, não é o caso de femme fatales, pois elas, até meados do século XX, eram personagens complexas, em geral, e com grande espectro emocional… Se aproximavam mais de seres humanos. Ademais, estavam vinculadas ao contexto socioeconômico e político do pós-guerra, quando homens precisaram retornar ao mercado de trabalho que estava ocupado por mulheres à época. Soma-se, então, ao cinema estadunidense que precisava de uma substituta para os alemães nazistas a fim de construir personagens que corroborassem com seus objetivos político-ideológicos ao Código Hays e outras tramoias moralistas. Mas de toda forma, foi um tiro pela culatra, porque femme fatales envelheceram como as verdadeiras personagens feministas do cinema. Put the blame on mame, boys!
Agora, é importante não descartar a psicanálise de Freud que Laura Mulvey utilizou como linguagem possível, à época de sua pesquisa, para descrever o que estava acontecendo no cinema, pois a psicanálise é também explorada e ampliada por outras pesquisadoras de outras áreas igualmente importantes para os Estudos Feministas. Embora Freud tenha sofrido de releituras que questionaram parte de seu trabalho. Mas vamos compreender primeiro o que é a castração para a psicanálise e porque ela foi importante para Mulvey e será para nós.
Para a psicanálise, a castração, evidentemente, não está relacionada à mutilação física de órgãos, mas a uma experiência psíquica continuamente renovada ao longo da vida. Sigmund Freud propõe que o homem (ocidental), quando criança, ao observar a mãe nua, percebe a mulher como um ser castrado pela ausência do pênis. A vulva\vagina seria a falta e o pênis a presença. E assim, podemos ver um padrão pelo qual homens castram, em inúmeras esferas, as mulheres a partir da negação de completitude. No cinema, Mulvey lembra que a mulher é o ser inferior, castrado de direitos e dignidade na construção de suas narrativas e representações. Para finalizar a sessão de psicanálise, vamos agora partir para a compreensão dos seios, suas traduções e usos nas artes visuais, especialmente no cinema neste caso.
A lógica colonialista europeia sobre a sexualização dos seios femininos foi absorvida desde os produtos culturais até o nosso cotidiano. Mas de acordo com Maria Lucia Homem, “o seio é a primeira alteridade, revelação do desejo, e relação com algo além do próprio corpo”. Por mais que existam diversos problemas nesta afirmação freudiana da autora, podemos enxergar, a partir de sua argumentação, o “nascimento” dos bebês chorões, pois quando amamentados, acionam gatilhos fisiológicos da mãe para que ela preste atenção em seu bebê e forneça alimento a ele.
Seguindo o pensamento psicanalítico de Maria Lucia e de outros autores, quando amamentado, o bebê não vê o corpo da mãe e seu seio com qualquer valor sexual, porém, quando ele é desmamado o peito materno passa a ser o peito feminino. Neste momento, há uma ruptura simbólica desse dispositivo para o homem, pois ele deixa de ser a fonte de alimentação e passa a ser a fonte de prazer. Deste modo, temos o corpo da mulher com propósito único de servir ao homem, seja pela atenção e fornecimento de alimento ou pelo prazer sexual. Portanto, a mulher passa a existir em função do homem. Lembrando que isso é só o que passa na cabeça de bebês chorões mesmo, não representa uma regra do mundo real. Mas de qualquer forma, a matriz desse prazer não pode partir do nosso corpo, pois não existimos para servir aos bebês chorões.
Nas artes visuais, os seios femininos são comumente expostos ao prazer e controle do espectador masculino, especialmente no cinema. Mas os peitos não estão sendo apresentados dessa forma apenas na Playboy ou nos filmes de ação, besteirol, Marvel ou produções imbecis da Netflix, pois essa é uma das objetificações mais incorporadas do corpo feminino mutilado em um quadro\tela. E parece ser a obsessão mais permanente da fonte de prazer feminino para o homem no cinema ocidental. Portanto, o cinema “cult”, “terror elevado” ou filmes “selo de qualidade A24” não escapam da trama de canalhices masculinas desse tipo. Especialmente porque aparentam serem bem trabalhados em termos de linguagem cinematográfica, apesar do festival de superficialidade e falsa profundidade. Assim, os cineastas desse “tipo” cinema conseguem manipular de forma mais encorpada o teor do filme e enganar num primeiro momento o espectador, deixando apenas uma pulguinha de incômodo inconsciente para as espectadoras opositivas – termo utilizado como uma derivação do conceito cunhado por bell hooks em seu texto “O Olhar Opositivo” (1992).
Vamos apontar o próximo canalha, então. Nas imagens abaixo, temos duas cenas muitíssimo parecidas: duas mulheres em disfarce, não mulheres de verdade, postas fragmentadas, ou não, para o espectador masculino. Enquanto é também observada dentro do quadro por outro personagem masculino, seja o marido de María, em “Lamb” (2021), ou pela sombra da entrada do quarto onde o disfarce de mulher está deitado.
“Lamb” (2021), dirigido pelo islândes Valdimar Jóhannsson, é mais um filme sobre sexo e que especula o prazer feminino pra conta da produtora A24. Especulam porque muito provavelmente esses caras nunca chegaram a ver uma mulher gozar de fato. Assim, o corpo da mulher não é só colocado numa bandeja para o espectador, mas posto nela com o pretexto asqueroso de “focar” no prazer feminino, ou na libertação feminina ou até mesmo em construir um falso conceito de colocar a mulher no centro da narrativa. Um filme anêmico em geral, mas que se torna de fato um lixo em protagonismo feminino ao se aproveitar do erotismo feminino – sentido do termo reiterado por Audrey Lorde como força e poder feminino – e maternidade. Quando vemos o corpo de María exposto na tela e suas feições, a câmera tenta enganar a espectadora, porque o foco nesta cena é o protagonista espectador novamente. Mas para além da bandeja de peitos e "expressões de gozo feminino” de um POV estilizado do PornHub, “Lamb” (2021) distorce traumas e dores da maternidade\não maternidade para construir uma personagem “trauma ambulante”, numa situação paralela à construção da Viúva Negra. Não somos só traumas e máquinas de amar ou fazer bebês. Quando forem falar sobre este assunto deixa que nós mesmas falamos, queridos.
Por fim, não é possível deixar de citar “A Criada” (2016) de Park Chan-wook, pois o diretor é um maestro na condução de seus filmes e em todo seu trabalho. Ao contrário de “Lamb” (2021), “A Criada” (2016) é uma adaptação cinematográfica muitíssimo robusta, tanto que quase engana a espectadora com seu trabalho de câmera, blocagem e montagem sobre as duas personagens principais e apresenta sim uma profundidade narrativa. Especialmente por não ser da A24. Mas não, ele não conseguiu fugir do male gaze como afirmou tentar fugir, pois o filme ainda é um sobre o olhar masculino e feito por uma pessoa que não consegue, ainda, se neutralizar desse olhar. E não, não é um filme para lésbicas, como o livro adaptado era, pois assim como em “Azul É A Cor Mais Quente” (2016), na cena final de “A Criada” (2016), é provado que Chan-wook ainda não deletou todos os arquivos de male gaze de seu sistema, mas os adaptou de forma mais inteligente, o que faz dele, talvez, um pouco mais canalha que outros. E sim, lésbicas são as principais vítimas do male gaze, afinal, o que é mais atrativo para um homem que explora do corpo da mulher o seu prazer e preenchimentos de seus vazios maternais do que duas mulheres.
Chan-wook diz, em entrevista à revista Jezelbel, fugir do male gaze, mas aplicou algum tipo de “invisible hand of male gaze”, especialmente, ao final do filme pra escangalhar todas as sutilezas do controle sobre os disfarces de mulheres que ele criou. Disfarces tão bons que quase parecem reais. Não escondo que realmente gosto do trabalho dele, mas um homem inteligente que tem as ferramentas da linguagem cinematográfica nas mãos é perigoso, especialmente quando ele tenta se isentar de algo enraizado que ele não pode, ou não consegue ainda, eximir-se. Não é possível deixar de citar o diretor como principal motivo das perdas de significados e opressões do olhar neste filme, pois apesar do bom trabalho, o olhar masculino é atravessado pelo olhar de quem estrutura o quadro\tela. Gosto de você, Chan-wook. Mas ainda é preciso se desintoxicar do aprendizado do olhar masculino e do olhar masculino no cinema, e isso é difícil dada a sua posição de privilégio por ser o detentor do olhar.
Mas percebemos alguma coisa perdida em “A Criada” (2016) ou algo que falta na relação das personagens entre elas e consigo mesmas. É possível observar no significado das luvas, por exemplo, o seu uso deslocado e vazio, pois ao invés de vermos as luvas utilizadas como elemento basilar constitutivo da história de Lady Hideko – adaptação da personagem literária Maud Lilly – presenciamos apenas um objeto do figurino da personagem. Enquanto no romance original – “Na Ponta dos Dedos” (2002) – as luvas foram introduzidas pelo tio de Lilly para que ela nunca tocasse os livros com as mãos nuas, sendo ensinada então que seu corpo de mulher era perigoso para os livros e que poderia estragá-los com o toque de “Eva”. Assim, vemos que há um debate potente sobre o erotismo – novamente o conceito trabalhado por Audre Lorde, do poder ligado a autoconsciência da feminilidade e das suas potencialidades – que Park ignorou completamente, pois preferiu focar na máscara de união feminina em disfarce, ao invés da riqueza narrativa do erotismo da relação lésbica, do acesso pleno ao conhecimento, do poder da feminilidade e do amor desenvolvido a partir da autoconsciência desse poder feminino.
Inclusive, um dos problemas em “A Criada” (2016) é que por mais que vejamos o filme através dos olhos das duas personagens, ele não deixa de ser atravessado pelo olhar da câmera e, portanto, do diretor. Assim, não é porque no filme há o trabalho de ponto de vista exclusivo das duas mulheres, que não há um homem enxergando por elas. Ainda segundo Mulvey, mulheres geralmente são protagonistas desarmadas no filme e no meta filme – o roteiro –, com o objetivo de evitar a castração masculina do espectador ao assisti-lo. Daí, Park Chan-wook temeu por sua própria castração e pela castração do espectador, abrindo espaço, assim, para a masturbação masculina nas salas de cinema ao final da sessão. E para a infelicidade do(a) leitor(a), a cena abaixo, a que mais evidencia os problemas do longa, é um printscreen retirado de um site de conteúdos pornográficos do nicho cinematográfico. Então, não. Eu não estou ficando maluca.
Apesar de tudo, há sim bons filmes, há bons homens diretores e há qualidade cinematográfica naquilo que é agressivo às mulheres, mas precisamos extrair o que é bom e colocar em uma superfície limpa, ou quase, de olhares masculinos naturalizados em nós, sobre nossos próprios corpos, vontades, saberes e emoções. No fim, nem todos os nós foram desfeitos e a luta ainda é pensar e pesquisar nossas pautas sobre o olhar e nossos corpos, pois o objetivo sempre será queimar Adão na fogueira e deixar que Eva coma quantas maçãs quiser em paz. Absorva outros olhares, Eva. Desfrute daquilo que é diferente do que nos apresentaram como “natural”. Não se retenha. Nas telas nós, mesmo nuas, não somos naturais, somos escultura e máscaras da realidade que estão disponíveis para eles, de corpo inteiro ou fragmentadas, mutiladas em um açougue de um gozo que não é nosso. Não somos nós em tela, é preciso separar as coisas.
Meu corpo é meu amontoado de átomos naturalmente lindos. Uma linda composição da natureza, uma junção das mesmas moléculas de um corpo de poder e sabedoria coletiva feminina. E quando me vejo assim, sob esse olhar, os homens me parecem cada vez menores e mais simples de entender. São só bebês chorões querendo atenção. Então parem de chorar e nos olhar como fazem, não vamos dar atenção a vocês, coisinhas miúdas! E sou muito nova para já estar tão cansada de repetir isto e de ter que falar as mesmas coisas que tantas outras antes de mim, mas eu sinto falta de falar mal da Playboy! A vida era mais fácil quando existia uma linha reta e eu conseguia ver onde começava e parava o problema, mas cada vez o male gaze e a capitalização da luta feminista e lutas de outras minorias tem deixado mais dificil conseguir andar do começo ao fim da linha sem tombar algumas vezes e se perder no meio do caminho. O problema da representação feminina no cinema já não é tão só visual, mas há problemas linguísticos e narrativos sutis – ou grotescos – e cada vez menos escancarados, e o perigo dessa limitação de existência feminina é um buraco ainda mais fundo.
E finalizo dizendo algo contraditório, num primeiro momento, mas o male gaze pode não ser apenas o grande vilão da mulher, mas também um poderoso aliado\ferramenta de projeção complexa na compreensão do cinema e na construção de certas experiências estéticas muito gostosas. E não, não contrario Mulvey assim. Porque quando a autora escreveu sobre a linguagem cinematográfica ter sido estruturada a partir do olhar masculino, ainda não existia o slasher ou bons giallos de 1977 em diante para deixar a argumentação dela ainda mais interessante. Porque no fim, eu também quero ser a gostosa correndo do assassino, sentindo toda a adrenalina da iminente morte a facadas. Eu quero ser essa gostosa, mas na sala de cinema. Assim como tantos homens também são essa gostosa na mesma sala que eu, mas esse tipo de magia é assunto pra outro dia e, essa sim, é uma complicação que eu me delicio tentando desenrolar.
Esse texto faz parte de A TELA INQUIETA, a 4ª edição da Revista Singular. Para mais textos clique aqui e para conferir mais do trabalho do autor clique abaixo.
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