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"O Último Episódio" é um filme contado no pretérito

Apesar de cheio de afeto, O Último Episódio é mais uma memória distante que um olhar atencioso para o passado


O Último Episódio - Crítica do filme

O cinema tem esse poder de aproximação do real a partir da representação que impressiona. Mesmo que estejamos assistindo tudo de um espaço seguro, vivenciamos experiências em lugares e épocas distantes da nossa realidade. Não corremos qualquer perigo físico ou emocional factual, mas experimentamos diversas possibilidades a partir da superfície da imagem. Até por isso, é tão comum que certos filmes causem a sensação de nostalgia relacionada a coisas e eventos que, no campo prático, não deveriam causar nostalgia alguma em nós.


É partindo dessa magia nostálgica que entramos em contato com O Último Episódio, dirigido por Maurílio Martins numa produção da Filmes de Plástico. No filme, acompanhamos Erik, um rapaz de 13 anos que é apaixonado por uma colega da escola, mas não sabe como se aproximar dela. É então que ele tem a insensata ideia de afirmar que tem a fita do lendário último episódio do desenho A Caverna do Dragão. A garota se anima com a ideia e cabe a Erik dar um jeito de seguir em frente com a mentira.


O Último Episódio - Crítica do filme

Como é possível perceber, O Último Episódio lida com um tempo passado, especificamente o ano de 1991. O filme tem, desde o primeiro minuto, esse olhar doce para a infância, que parte desde a direção dos jovens atores - o trio principal sendo muito bem representado por Matheus Sampaio, Daniel Victor e Tatiana Costa -, até a escolha da narração que acompanha o filme todo. Erik, já adulto, narra a aventura do início ao fim, detalhando aspectos emocionais do seu personagem, mas também comentando sobre a realidade daquele mundo que ele mesmo talvez não enxergasse naquele tempo.


A escolha da narração não é boa ou ruim por natureza, mas aqui funciona como uma barreira a mais entre o tempo fílmico e quem assiste ao filme. 1991 se torna um passado distante nostálgico, algo que pode até agradar aqueles que viveram tal período, mas também reduz a intensidade da experiência presente. Enquanto os personagens são interpretados com um realismo romântico que dialoga com outros coming of age como Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado, a narração nos distancia dos conflitos da infância e adolescência. Enquanto os personagens sofrem no agora, a narração vai na contramão emocional e aponta para um depois que nós nunca veremos.


Como consequência, temos um trabalho que entra em conflito consigo mesmo. Se por um lado existe uma agilidade ao lidar com os conflitos presentes - a montagem é veloz, mas nunca apressada, dando espaço e tempo para vermos os personagens e sentirmos suas emoções -, esses mesmos conflitos parecem sempre reduzidos quando a narração surge. Isso fica ainda pior quando percebemos o peso de certas situações estruturais - como os problemas financeiros dentro da família, os desafios com a saúde mental do pai de Erik, entre outros - que são reduzidas pelo tom quase pedagógico da narração. Essa é uma característica onipresente do filme que infelizmente reduz muito o impacto de certas situações propostas ao longo da obra.


O Último Episódio - Crítica do filme

Aliás, é interessante perceber como essas situações escalam de forma bem natural. Os conflitos da ordem do amor para o protagonista se misturam com as dores de cabeça com as contas da família, que se convertem nos traumas de infância e nos desafios da comunicação entre pais e filhos. É interessante como o filme consegue transitar tão bem entre núcleos e desafios, criando um microcosmo que, mesmo apelando para a nostalgia, consegue ser tão presente, tão atual. Mais uma vez, destaco as interpretações do trio principal, que consegue passar tanta verdade e bagagem a partir de situações muito elementares.


No fim, fico com a sensação mista. Por um lado, é evidente que O Último Episódio é um projeto que nasce de muito afeto e vontade, afeto esse que se esbanja por todo o filme. É impossível não torcer e vibrar junto das crianças. Por outro lado, sinto que existe uma força nostálgica que eu considero negativa. Retira do filme a força da presença, a força de acontecer enquanto se assiste, e o coloca no lugar da memória distante, aquele tipo de memória da qual sempre se procura uma espécie de lição ou justificação. Desnecessário isso ou, nesse caso, prejudicial. Ainda assim, fica a boa impressão geral do trabalho de Maurílio Martins na condução de personagens, conexão de conflitos e controle dramático das cenas.


O Último Episódio está disponível nos cinemas.



Nota da crítica:


O Último Episódio - Crítica do filme


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