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Crítica - Atravessa Minha Carne (Marcela Borela, 2025)

Atualizado: há 3 dias

Mostra Caledoscópio | 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro



Marcela Borela e o deslocamento do olhar de Wiseman


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Sem muitas expectativas, fui ao terceiro dia da Mostra Caleidoscópio do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. É uma pena que, em meio a um esvaziamento generalizado do discurso político, marcado por pautas sociais e identitárias de caráter panfletário, poucos filmes dessa edição do festival tenham tido a coragem de refletir sobre a forma como gesto político. Felizmente, saí da sessão revigorado e um pouco mais esperançoso.  Atravessa Minha Carne (2025) é o terceiro longa da realizadora goiana, Marcela Borela, e o primeiro dirigido sem a companhia do irmão, Rafael, que é neste filme um dos montadores.


Atravessa Minha Carne é essencialmente sobre movimento – o movimento da ação e do passar/congelar do tempo. O filme foi gravado em meados de 2010, perdido e redescoberto anos depois como um arquivo. O que fazer com imagens que, se um dia foram planejadas com um intuito específico, já não o são? Até que ponto elas pertencem a alguém que não as assiste há quase quinze anos? Essas perguntas surgem a partir desse filme e de Palco Cama (2025), de Jura Capela, outra obra participante da mostra Caleidoscópio, centrada no arquivo, quase estritamente pessoal e esquecido de um diretor. 


A imagem que abre o filme de Marcela é a de um par de tigres de bengala, enjaulados, performando uma ação contínua; uma acrobacia. Quem os dirige é um domador de circo, e o trecho é apresentado em looping. A diretora coloca nesta sequência, o cerne do filme: a permissividade mediada do aparato cinematográfico ao livre movimento de corpos – como agiu Frederick Wiseman em 60 anos de carreira – contrastada pela intervenção humana e maquínica do movimento, feita por diretores de todos os tipos. Essa segunda divisão de imagens – as manipuladas – provém aqui, em suma, de montagens com filmes do primeiro cinema; animações digitais e efeitos adicionados a posteriori em algumas das cenas gravadas pela equipe.


A princípio, a junção desses elementos funciona, ainda mais se analisarmos o contexto da narrativa que se desenrola. As ações capturadas são as de uma companhia de dança em processo criativo, nas quais os atores se preparam para um espetáculo enquanto são conduzidos pela equipe técnica da companhia. Os corpos são livres, mas dirigidos. 


A equipe técnica, em determinado momento, brinca com um efeito gráfico de animação que permeia o palco em um banho de sangue, manejando a imagem por meios não materiais – essencialmente eletrônicos, e aqui, a  função dos diretores de ambas as equipes – a do filme e o da dança – forma uma relação de simbiose.


Todavia, a duração do filme é curta demais e passa a sensação de necessidade de maior desenvolvimento. Longos trechos são dedicados a experimentações com imagens de arquivo, que dialogam bem tematicamente com a ideia de movimento, mas acabam por impedir a construção de personagens. O que atrai nos filmes de Wiseman é justamente a relação que a câmera estabelece com essas pessoas. Em suas produções, realizadas dentro de instituições, a realidade se suspende e a presença da câmera, que poderia ser ostensiva, perde importância e se integra ao ambiente quando há questões mais imediatas. O tempo confere aos seus filmes uma relação espectatorial mais intensa com o objeto, que aqui talvez tenha faltado.



Essa crítica faz parte da cobertura do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro



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