Em um filme de perspectiva dupla, Martin Scorsese retorna ao cinema, proporcionando ao espectador uma experiência virtuosa, envolvente e imersiva
Martin Scorsese é um dos principais cineastas em atividade, e a cada novo filme, ele reafirma sua paixão pelo cinema, seu profundo conhecimento e seu talento inegável como contador de histórias. Afetuosamente apelidado de "vovô" por muitos cinéfilos, Scorsese nos cativa não apenas por seu carisma, mas também por sua própria devoção à arte cinematográfica. Ele se destaca como um diretor meticuloso, cuidadoso, um verdadeiro conhecedor das técnicas do cinema, demonstrando um domínio extraordinário da linguagem cinematográfica. Além disso, Scorsese é um astuto historiador da sétima arte, uma característica que eu, particularmente, admiro profundamente. Diante das câmeras, Scorsese assume o papel de um intelectual, um realizador que valoriza as tradições, ao mesmo tempo em que não teme inovar. No entanto, o que mais me fascina em Martin é sua incomparável capacidade de contar histórias. Ele não se limita a aplicar apenas as técnicas estudadas; ele é dotado de um talento inato para observar e narrar histórias de maneira extraordinária.
Nós, estudiosos do cinema, estamos acostumados a associar diretores formalistas a características visuais marcantes, como as cores vibrantes e os movimentos de câmera distintos de Wes Anderson ou o realismo melancólico de Hong Sang-soo. No entanto, Martin Scorsese tem traços autorais que raramente são discutidos em termos de estética. Ele bebe da fonte de suas grandes inspirações, como Alfred Hitchcock, François Truffaut e Jean-Luc Godard, para criar seu próprio universo e sua maneira singular de contar histórias. Afinal, Scorsese tem uma paixão por explorar uma variedade de narrativas, ele tem a capacidade de contar uma ampla gama de histórias. O que destaca seu talento é o fato de que, ao contrário de muitos diretores que se aventuram em diferentes gêneros, ele não cai na armadilha da padronização ou do comum. A singularidade de Scorsese reside nos detalhes minuciosos de seus enquadramentos, na habilidade de guiar e movimentar seus personagens dentro do quadro e na maneira como ele contempla o mundo através da lente de sua câmera.
O olhar de Martin Scorsese sobre aquele mundo é verdadeiramente particular. Sua abordagem narrativa e a meticulosidade com que planeja cada cena são notavelmente extraordinárias, como claramente evidenciado em Assassinos da Lua das Flores. Seu cinema é cuidadosamente elaborado, com um foco preciso na própria essência da sétima arte. Em Assassinos da Lua das Flores, a visão de Scorsese é claramente definida, compreendendo e sentindo o tipo de narrativa que está narrando. Martin é capaz de enxergar o filme através das lentes dos personagens, experimentando a história, mas também através das lentes do observador, contemplando-a de fora. É magia pura!
O cinema é a arte do olhar, onde cada história se desenrola através da perspectiva, seja do protagonista que a vive ou do narrador que a compartilha. Em outras palavras, sempre há alguém contando a história. Em algumas ocasiões, essa narrativa celebra conquistas e experiências de vida, retratando-as através de um olhar que guia sua narrativa. Em contrapartida, em momentos distintos, uma trama repleta de angústia e sofrimento é transmitida sob a lente da maldade. Em resumo, o cinema oferece várias maneiras de observar e parece que Scorsese é um mestre em todas elas. Desde a angústia melancólica de um homem que enfrenta o mundo em Taxi Driver até a criança que explora a magia do mundo moderno em A invenção de Hugo Cabret, Scorsese se destaca como um verdadeiro contador de histórias. É nesse contexto que Martin Scorsese introduz a intrigante ideia de um olhar subvertido em Assassinos da lua das flores, permitindo que a história seja narrada pelo "antagonista". Ele explora uma narrativa que envolve um povo nativo, enraizado em culturas fortes, mas que é observado através do olhar distorcido de um indivíduo branco perverso e ganancioso. A história, portanto, é contada pelo olhar dos assassinos, pelos covardes, pela maldição jogada aquela terra tão rica. Contudo, o aspecto mais impressionante reside na maneira como Scorsese nunca redime esses personagens brancos, deixando-nos com sentimentos de repúdio, raiva e desgosto em relação a eles. Essa capacidade é um traço distintivo de poucos diretores no cinema, já que são raros aqueles que conseguem adotar o ponto de vista da maldade sem parecerem aprová-lo.
A maestria de Scorsese na arte cinematográfica é tão impressionante que ele tem a capacidade de transformar seu filme à medida que a história se desenrola. Em três horas de projeção, somos levados por um faroeste, romance, investigação e, sobretudo, uma narrativa política e de denúncia. Nesse contexto, a subversão de dar destaque ao olhar do antagonista torna-se ainda mais impressionante. Como mencionei, as lentes assumem duplo significado na história: de quem a conta e de quem a observa. O narrador se percebe como um herói americano, aquele que trouxe riqueza para a nação, enquanto o observador capta a ganância, o ódio e o desejo desenfreado pelo poder. Scorsese demonstra um comprometimento genuíno em relatar o genocidio sofrido pelos Osages, em contar sua história que foi apagada, ignorada e quase esquecida, especialmente pelas ações dos opressores.
Tanto o diretor quanto o autor do livro fazem questão de assegurar que jamais esqueçamos essa história. No fim, o resultado de tudo isso é uma experiência cinematográfica impactante, imersiva e, ao mesmo tempo, angustiante e bela. Nessa obra, as imagens por si só falam, o silêncio ressoa e dilacera a alma, enquanto os diálogos transmitem uma intensidade emocional avassaladora. Enquanto assistia a Assassinato da Lua das Flores, eu não pude deixar de pensar a cada momento, "apenas Martin Scorsese poderia realizar algo assim." No mundo do cinema, não existe ninguém capaz de contar essa história da forma que ele fez, um verdadeiro clássico contemporâneo.
Nota do crítico:
Filme assistido a convite da Espaço Z, Paramount Pictures e Apple Original Films. Assassinos da lua das flores já está em cartaz nos cinemas de todo Brasil
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