Um é pouco, dois é bom, três é demais…QUATRO É SINGULAR
"Quando Marx empreendeu a análise do modo de produção capitalista, este modo de produção estava ainda nos seus primórdios. Marx orientou a sua análise de tal forma que ela adquiriu um valor de prognóstico. Recuou até às relações fundamentais da produção capitalista e apresentou-as de forma tal que elas explicitaram aquilo que, de futuro, se poderia esperar do capitalismo. (...) A transformação da superstrutura, que decorre muito mais lentamente do que a da infraestrutura, necessitou de mais de meio século para tomar válida a alteração das condições de produção, em todos os domínios da cultura. Só hoje se pode indicar sob que forma isso sucedeu."
Walter Benjamin no prólogo de "A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica" (1955)
É impossível dissociar qualquer entendimento das artes do contexto material que as produziu. Se Walter Benjamin, na década de 50, apontava para as transformações culturais que o capitalismo impulsionava através da reprodutibilidade e mercantilização crescente da obra de arte, hoje, em 2023, é preciso olhar para a produção cultural a partir de uma realidade de capitalismo tardio - ou pós-modernidade - que reestrutura as relações criador-receptor a partir do neoliberalismo e mesmo de um social liberalismo, ferramenta de manutenção do status quo da base econômica capitalista sob um verniz progressista, adaptado às necessidades de uma juventude "desperta" às desigualdades. Ao mesmo tempo, é importante observar como essa mesma geração desperta recebe os resultados de produções da indústria da cultura sob a hipervelocidade técnica e os hiperestímulos crescentes em meio a uma realidade de boom de conteúdos de rápido consumo, como o tiktok, ou ferramentas de rápida assimilação de um conteúdo que pode ser formalmente mais complexo, como a aceleração artificial, pela plataforma exibidora (YouTube, streamings, etc.) de obras audiovisuais.
As criações artísticas da contemporaneidade respondem à realidade do trabalho, principalmente o precarizado que vêm crescendo pelo mundo - mesmo no centro, mas sobretudo, na periferia do sistema econômico global -, à eterna empreitada burguesa da busca por quebra de barreiras de acumulação; e à uma sociedade de telas e estímulos jamais antes experimentados: músicas tocam num celular, enquanto jogamos no computador e algum familiar assiste à um programa na TV. O som dos carros nas ruas não cessa, madrugada à fora. Não há espaço para parar: acordamos com telas e informação, almoçamos com elas e dormimos ao seu lado.
É a partir desta realidade que os nossos redatores exerceram suas reflexões e criações. Seja olhando para o passado para compreendê-lo no presente, ou pensando o presente e suas reverberações. Aqueles que nos lêem já podem esperar, nesta edição, críticas, análises e reflexões comparativas de filmes ou de todo um contexto cinematográfico específico. Mas, buscando a singularidade de uma revista que abrange diferentes temáticas e linguagens, temos algumas novidades em nossa quarta edição: em primeiro lugar, dois textos sobre a produção de artistas visuais brasileiras compõe nossa seleção; e, além deles, temos uma carta-crônica profundamente tocante e um extenso conto literário artesanalmente tecido nas páginas de nossa humilde publicação, ambos que, de alguma forma, lidam com a temática da morte a partir de olhares para o passado, de memórias, de lembranças e de marcas deixadas por aqueles que se foram.
Contudo, a sétima arte, tão popular e a que melhor responde à sociedade de telas incessantes, tem conosco seu lugar especial. Por isso, percebemos que é nosso dever homenagear uma figura que encarnou o cinema em sua prática: Jean-Luc Cinéma Godard. Quase um ano após seu falecimento, Godard, o autor mais importante dos últimos 60 anos de história do cinema, é o homenageado de nossa mais recente edição, com três textos em sua memória e, para eles, uma parceria mais que especial com Almir Basílio e Daniel Dantas, os autores do portal Cinema Marginal, que muito gentilmente concordaram em redigir dois textos robustos e que, posso dizer sem medo, estão à altura do homenageado. À todos que dispuseram um pedaço de seu precioso tempo neste mundo cada vez mais veloz para conferir nossas criações, nosso muito obrigado, e sejam todos bem vindos à 4° edição da Revista Singular.
Davi Pieri, o editor.
Ficha técnica:
Editor-chefe e revisor: Davi Pieri
Design e diagramação: Davi Alencar
Co-editores: Raissa Ferreira e Davi Alencar
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