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Foto do escritorDavi Pieri

Crítica | O Homem Que Copiava (2003), de Jorge Furtado

Jorge Furtado proporciona o encontro de Bresson, Brecht, Hitchcock e David Lynch no construtivismo de seu filme-delírio.



O Homem Que Copiava (2003), de Jorge Furtado, na jornada vivida por André (Lázaro Ramos) em busca de seu lugar ao sol na miséria capitalista, me soa como uma espécie de maneirismo brasileiro tardio. Furtado engole na dinâmica de sua montagem um construtivismo brechtiano-bressoniano, que se utiliza da repetição sequencial de gestos e ações - com algo de L'Argent (1983), Um Condenado à Morte Escapou (1956) e O Batedor de Carteiras (Robert Bresson, 1959) - muita vezes tornando-as redundantes com o uso do voice over para reforçar o que se desenrola didaticamente na mise-en-scène. Assim, revelando um esforço brechtiano para sintetizar os fatos em tela, nivelando a esfera social e política do filme à superficialidade da ação, tornando tudo manifesto.


Há também, visivelmente, muito de Hitchcock; da forma que os melhores autores do cinema político utilizaram-no: em André, temos a figura de um proletário destituído do poder de ação sobre a realidade que o circunda, em termos mais simples, (cinematograficamente) destituído de corpo. André se relaciona com o mundo pelo desejo, observando pela janela a mulher que deseja, espiando o ideal de consumo no mundo que o cerca mas não o integra; desejo que se manifesta com o olhar. Há não só Vertigo (1958), Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, 1954), Tortura do Medo (Michael Powell, 1960) ou os já maneirismos de filmes como Dublê de Corpo (Brian de Palma, 1984), mas também algo de Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976) e Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001). 


A partir da segunda metade do filme em diante, todos os desejos que circundam André vão sendo finalmente alcançados pelo símbolo que os sintetiza: o dinheiro. A ironia que Jorge Furtado estabelece então é a da fé e do romantismo situados na miséria materialista de um mundo onde o capital está presente em todas as esferas da vida. Daí que uma das minhas sequência favoritas é a em que André corre pelas ruas, rezando para um anjo da guarda, logo após trocar dinheiro falsificado, iniciando sua jornada 'heroica' como criminoso, justificada pela sobrevivência - de modo que tudo se torna mais ou menos justificado, logo, a morte, o assassinato, o crime são tratados com uma cruel leveza, indiferença; que me lembra o final de L'Argent, mas sem a desolação que Bresson imprime em seu filme. Para Jorge Furtado, tudo aparenta ter uma espécie de leveza ironicamente delirante, num estilo que pode lembrar até mesmo os grandes filmes do Carlão (ainda que de forma mais comedida).


O último terço do filme, inclusive, muito me lembrou um delírio lynchiano como em Cidade dos Sonhos: tudo acontece muito rapidamente, André parece conseguir conquistar o mundo pelos "caminhos mais fáceis", e o final feliz, ao lado da mulher amada, com amigos e dinheiro, faz tudo parecer estranho, deslocado da realidade que se apresentava até então. Em O Homem Que Copiava, sinto como se acompanhássemos a jornada de Naomi Watts no filme de David Lynch ao inverso, primeiro descobrindo sua miséria para depois mergulharmos em seu delírio.


E enfim chegamos à última influência que me salta em O Homem Que Copiava, que diz sobre o entendimento de Furtado sobre a narração: toda narrativa é um fragmento enviesado, e a narrativa em primeira pessoa é um fragmento perigosamente enviesado. Há algo de machadiano, que pouco se pode confiar (tanto quanto se pode confiar em Brás Cubas ou em Bentinho), quando somos apresentados ao filme pela voz e imagem de André e, ao fim, de Silvia. No final, é tudo menos sobre o que é verdade ou não na história e mais sobre o que é A Verdade; é sobre a ideia, não os fatos.


Em O Homem Que Copiava, independente dos fatos, saio com a impressão de que toda a realidade apresentada, que se inicia no social ("a existência precede a essência") e caminha ao psicológico, é um delírio.


 

Nota do crítico:

 

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