Crítica | Um Lance no Escuro (1975), de Arthur Penn
- Pedro Daher
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Descritivo a ponto de soar vago, e detalhista a ponto de fazer o espectador perder o foco, Arthur Penn dirige um filme de detetive com gosto amargo

No período que sucedeu o sucesso implacável do filme noir em Hollywood, o cinema americano começou a olhar para o reflexo da insegurança política, novos valores sociais que surgiam e parecia claro que, para qual lado você olhasse, haveria desconfiança, e todos queriam lucrar com uma certa espetacularização da vida alheia.
Como demonstra “Um Lance no Escuro” (Arthur Penn, 1975), durante o movimento de contracultura, especificamente no que se configurou como “Nova Hollywood”, cineastas ascendentes no mercado (já muito seguros do que faziam, basta ver com quem trabalhavam) dirigiram filmes com mensagens pré-estabelecidas, mas com uma abundância de informações que às vezes não sobreviviam ao corte final.
Essa dificuldade em cortar, no sentido literal, de inflar a trama de especulações e cenários incertos em rocambolescas tramas de detetives pôde ser vista em muitos filmes da época, como “O Perigoso Adeus” (Robert Altman, 1973), mas é mais latente aqui, em “Um Lance no Escuro”, que deixa um gosto amargo na boca, por te anestesiar por tanto tempo que, quando você retoma os sentidos, todos os mistérios se dissolvem em uma conclusão que você é simplesmente obrigado a aceitar, sem questionar.
Na trama, Harry Moseby (interpretado por Gene Hackman) detetive que, em sua imaginação, ainda é jogador de futebol, aceita um caso que parece muito simples de ser solucionado, mas vai se mostrando mais e mais desgastante conforme ele vai mexendo nos fatos, tentando contornar a resposta final até conseguir se dar por satisfeito.
Moseby fica encarregado de encontrar a filha de uma conhecida estrela de cinema, Arlene Iverson (Janet Ward), desaparecida sob circunstâncias misteriosas. Delly (Melanie Griffith) tem 16 anos e sobrevive dos holofotes deixados por sua mãe. Tanto é que o foco do filme não é exatamente o de transformar seu desaparecimento em pauta por tanto tempo, mas arrancar da frente qualquer nova informação que confunda a garota com o universo de glamour onde ela viva e desconstrua o luxo até ele virar lixo.
Em determinado momento, ainda no começo do filme, Moseby descreve a experiência de assistir a um filme do cineasta francês Eric Rohmer como observar a tinta da parede secar por toda a duração fílmica. De certa forma, ele descreve o mesmo processo no qual está inserido, é o que o espectador sente que está vendo, mas também é o que o detetive está fazendo: esperando resultados, esperando a próxima pista, muitas vezes com a paciência de um admirador de arte ou um decorador de imóveis.
De tanto escavar, ele chega no mundo de dublês profissionais em Hollywood, e o filme abraça de vez a ambiguidade e a camuflagem de temas. Se a paranoia estava no ar, Penn conseguiu reproduzir perfeitamente uma característica cara à literatura: a de descrever vários temas se entrelaçando por cenas (parágrafos), conseguindo, ainda assim, manter a essência da história.
Para o público, o que fica é a sensação de um sonho febril: nem sempre há explicação, tudo é tão vago e genérico que se força a ganhar sustância, ficar mais aprofundado. É realmente difícil, como crítico, falar sobre esse filme sendo muito detalhista. Parece que ele existe no meio do caminho entre um tipo de arte conceitual e um filme policial muito comum e banal daqueles que poderia passar na televisão a cabo de madrugada.
O lado bom é que “Um Lance no Escuro” consegue ser as duas coisas: primeiro um filme que existe no campo das intenções, depois um que cumpre ligeiramente as ações e volta a prometer no final, deixando espaço para indagar.
Nota do crítico:

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