A soma entre os esforços criativos de um grande cineasta de estúdio e um dramaturgo famoso rendeu um filme que deu luz a assuntos que ainda não podiam ser plenamente debatidos para um público que não queria encará-los
Baseado em uma peça de Tennessee Williams, mestre em retratar através de diálogos afiados o desconforto físico e os excessos da população sulista dos Estados Unidos, o filme De Repente, no Último Verão, dirigido por Joseph L. Mankiewicz (cineasta que já tinha presente na própria família o apreço pela dramaturgia) é uma grande desconstrução sobre a identidade que habita cada uma das personagens retratadas, e como as pessoas que podem apresentar a história vivem em torno do passado sem que, de fato, ele seja mostrado como algo além de um deslumbre, pelo menos durante a maior parte do tempo.
É um filme sobre o confronto entre lembranças concretas e ideias vagas que nunca conseguem preencher completamente a descrição do conteúdo abordado, seja indagações sobre a personalidade de alguém ou a contextualização de um fato. Aqui, as partes envolvidas, uma mãe viúva (Violet Venable vivida por Katherine Hepburn), que há pouco havia perdido o filho, Sebastian (de quem a obra gira em torno, e a quem imprimem falsas noções de realidade), e a sobrinha dela (Catherine Hollis), vivida por Elizabeth Taylor no ápice de seu estrelato em Hollywood, carregam a mesma mágoa, condensada em repressão e bloqueio afetivo, de não terem o feito o suficiente para impedir a morte do menino.
Essa repressão cria a necessidade de uma testemunha dos enunciados de angústia, dor e dos ímpetos agressivos, que pudesse dar um parecer parcial sobre tudo. A necessidade de agir, mesmo que Violet e Catherine não fossem parentes com ligação direta existe porque, apesar de Sebastian ter perdido a vida, ambas se perderam ao mesmo tempo, uma isolada em uma casa que cultiva como um jardim dos sonhos, e a outra colocada à força em um hospital psiquiátrico com risco de sofrer lobotomia porque é tirado dela o direito de ter alguma lembrança mais razoável do que realmente aconteceu.
A partir daí, a situação se transforma em um verdadeiro telefone sem fio de mensagens que chegam uma à outra por intermédio de um médico (Montgomery Clift, a tal testemunha) cuja especialidade é cirurgia. Ele é contratado por Violet para dar prosseguimento ao tratamento cirúrgico (procedimento novo à época) em Catherine, mas logo acaba se transformando em psicológo, detetive particular, pretenso amante e policial, e o objetivo inicial é substituído por uma necessidade de análise. Ele junta os cacos das versões esparsas de cada uma e tenta fazer sentido contando com a colaboração alheia. Ele é, ao mesmo tempo, assustador e necessário. Sua calma é tão silenciosa e sua observação é tão centrada que ele parece sufocar qualquer sentimento que pode ser extraído da situação. É bem curioso que, em um filme com tanto diálogo que parece não chegar a lugar nenhum, ele seja um entorpecente natural para transtornos agudos e seja um agente inerte da ação, que se cansa de ajudar e se propõe a ouvir até parecer um sujeito inconveniente.
O que ajuda o filme a elevar seus momentos de tensão é o uso preciso de recursos narrativos que remetem ao passado. Só temos uma certa proximidade da longa, cansativa, relatada com muito suor e lágrima, jornada, ilustrada verbalmente, com palavras que se tornam imagens incompletas, das personagens de Hepburn e Taylor no final, quando elas são induzidas a dizerem e sentirem tudo aquilo que não queriam sobre a identidade e a causa da morte de Sebastian, a razão do elo que elas partilhavam e de seu ponto de interesse.
Sebastian não tem um rosto, e nem uma forma. Ele é uma presença que só pode ser vista quando não existe tabu. Dizer o que realmente aconteceu, e, pelo menos tentar, era uma forma de desassociar as produções de Hollywood das amarras do Código Hays e também dar uma resolução a um fato que tinha contornos implícitos de canibalismo e incesto e dar voz e identidade concretas (mesmo que abafadas até a última instância) à sexualidade de Sebastian.
Ao fazer isso, elas falam, percorrendo lugares repetidos nos confins da memória, e o que sai da confissão é um grito sufocante e um olhar alienante. O grito vem de Catherine, que voltou a ser a terceira pessoa, nem tão perto e nem tão longe, alguém que estava presente no dia do crime, mas não pode ajudar. Já sua tia acaba incorporando uma aproximação do filho, porque qualquer circunstância que a permitisse guardar esse dia para todo o sempre, sem precisar de uma investigação e sem precisar fingir ser quem ela não queria, seria acatada. A trilha sonora é agoniante, e a atmosfera vai te encurralando o suficiente para você acreditar que, mais do que um drama comportamental, esse é um filme de horror. Do não dito. Do não visto. Do suprimido. De tudo aquilo cuja essência não é a que aparenta, ou do que fazem acreditar.
Nota da crítica:
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