Nesse terror guiado pelo poder e impacto da Arte, Argento expressa o efeito perturbador que a arte pode causar. O extremo desse poder ao alcançar a loucura e o máximo da psique humana.
É comum escutar ou ler que Arte é inútil. O escritor Oscar Wilde defende no prefácio de "O Retrato de Dorian Gray" que 'toda arte é absolutamente inútil'. Talvez seja, talvez não, mas é inegável a necessidade de Arte na vida humana. Essa 'inutilidade' não é de todo mal. A Arte alimenta e motiva nossas almas. Imaginemos como seriam nossas vidas sem as obras de arte, sem o cinema, sem a música, o teatro, a dança. O maior diferencial do ser humano está na sua racionalidade, que precisa se expressar, assim como o 'irracional' que existe em cada um de nós.
Na obra "O Que É Arte?", o escritor russo Leon Tolstói tenta definir o que é arte, sua importância e o seu significado. Mesmo com um pensamento conservador cristão, com uma visão mirando o povo que consome arte, Tolstói acredita que a arte é atividade humana que consiste na comunicação do homem, dos seus sinais exteriores, seus sentimentos e experimentos.
Arte é comunicação e expressão. Com os movimentos modernos, muito se modificou na filosofia da arte, seja por definições de belo, beleza, sentido e função social da arte (que mudou até antes, como defende Giulio Argan, em "Arte Moderna", visto que no neoclassicismo já se tem noção da arte e sua função política), mas não se alterou essa necessidade do homem em consumir arte. Somos seres sociais, precisamos nos comunicar, e nossa racionalidade exige também que nos expressemos para além das necessidades fisiológicas e de sobrevivência. Segundo o filósofo francês Eugène Véron, arte é a manifestação da emoção, que se comunica por uma combinação de linhas, formas, cores, ou gestos, palavras e sons; deste modo, subentende-se a existência de uma linguagem nesse universo.
Para Umberto Eco, no livro "A Definição da Arte", a própria forma só é compreendida quando vista como ato de comunicação de pessoa para pessoa, que após formada, não é e nem pode ser realidade impessoal. Sendo assim, o artista forma em sua obra sua experiência concreta, traz para sua criação seu contexto histórico, seus pensamentos, costumes, sentimentos, ideais e aspirações. Não há arte impessoal, mesmo tendo 'sentido' ou não.
Com essa atividade 'inútil', somos impactados, positivamente ou não, e essa é a grande função da arte. Impactar e despertar desejos, sentimentos que foram motivados por outros sentimentos. Para Tolstoi, a arte começa quando um homem com desejo de se comunicar com outro homem, invoca para si e se expressa com sinais exteriores. O artista e professor de Bauhaus, Kandinsky, confirma arte como comunicação no clássico "Do Espiritual na Arte", afirmando que a obra é a forma imaterial exterior que permite a comunicação do conteúdo imaterial, uma linguagem de alma para alma com a presença da emoção.
O mestre do terror italiano, Dario Argento, lançou em 1996 o estupendo pós-giallo "La Sindrome di Stendhal", nome de uma real condição psicossomática, conhecida também como "Síndrome Mortal", que ficou sendo o título da obra cinematográfica no Brasil. Considera-se, como primeiro relato da doença, os escritos do francês Marie-Henri Beyle, cujo pseudônimo é Stendhal, que, em 1817, durante sua visita a Florença, Itália, foi acometido por vertigens e uma palpitação causadas pela arte presente na Galeria degli Uffizi. Essa condição é, na sua forma mais extrema, a concretização do impacto da arte na natureza humana.
No filme italiano, Anna Manni (Asia Argento) é uma jovem detetive que está investigando uma onda de assassinatos de mulheres por um serial killer. Ocorre que, durante a investigação, Anna descobre que possui a condição da síndrome de Stendhal, que faz com que tenha vertigens ao ver imagens de grandes obras de arte. Nesse terror, Argento explora o poder da arte sobre o ser humano, no sentido literal e filosófico.
Stendhal documenta no livro "Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio" os primeiros sintomas dessa síndrome até então desconhecida. A intensa palpitação do coração, as vertigens, os desmaios e as alucinações. Posteriormente, a doença é estudada pela psiquiatra italiana Graziella Magherini, que publica o livro "A Síndrome Mortal", no qual desenvolve os sintomas, as motivações e a questão psíquica dos acometidos pela síndrome.
Conforme Simon Schama, professor de História da Arte, em "O Poder da Arte", a grande arte tem péssimos modos. De forma silenciosa, somos levados a ver as obras-primas como delicadas, encantadoras e até distrativas, mas, em uma galeria, estamos expostos à verdade truculenta, impiedosa das maiores pinturas da história da Arte. Perdemos a racionalidade e senso de realidade, e, assim, a Arte exerce esse poder sobre nós. A arte é para admirar, na maioria das vezes, não podemos tocá-la, e, de fato, não podemos 'tocá-la'. Ao observar essas obras podemos criar questionamentos, como faz Simon: "Será que você poderia simplesmente comer os morangos daquela travessa de prata? Sentir o aroma dos pinheiros daquela dourada encosta provençal? [...] Não, você não poderia." De modo coerente, Schama compreende esse poder também perturbador da Arte. Dizemos muito que a arte imita a vida, e, mesmo quando parece imitativa, não reproduz o que há de conhecido no mundo visível, mas tem o poder de substituir por uma realidade que possui.
Em seu estudo, Graziella diz que o encontro com o objeto de arte é capaz de romper defesas caracteriais, fazendo emergir aspectos mais remotos de áreas da mente mais profundas. Os pacientes acometidos pela síndrome são intensamente tocados pela beleza, mas precisam se retirar dessa experiência, e, assim, refugiam-se na doença, por não serem capazes de tolerar sua condição de apaixonados por esse objeto estético que os fascina, mas causam dor.
Seguindo um 'pós-giallo' e dentro desse gênero policial, é impossível não notar as referências a um dos maiores filmes da história, "Vertigo", de Alfred Hitchcock, que, como bem defende Luiz Carlos Oliveira Jr., deixou sua marca no cinema moderno. Além da 'vertigem' em comum, ambos os filmes exploram o 'inconsciente' nesse discurso metartístico com a presença de um misterioso espiral de acontecimentos.
O filme de Argento se inicia na Galeria degli Uffizi, em Florença, tal qual a condição se apresenta pela primeira vez a Stendhal. Anna está no meio desses turistas curiosos e desconhecidos na famosa cidade italiana. A personagem de Asia Argento está à procura de um serial killer, após um telefonema que a levou ao museu italiano. Como qualquer ser humano, a jovem detetive está encantada, olhos castanhos curiosos de Anna percorrem a galeria e as obras. Um olhar faminto e encantado, sem dúvidas, também impactado.
Na direção, Dario Argento acentua essas obras e seus detalhes que saltam aos olhos através do zoom in nos quadros. Em "A Síndrome Mortal", as obras ganham 'vida', seus impactos ultrapassam a admiração pela beleza. Cada plano detalhe em destaque expõe uma parte deste personagem coletivo, a arte. É como se os sentidos de Anna se aflorassem, agora é também capaz de ouvir os quadros. Os elementos do quadro querem se comunicar. Segundo Kandinsky, os detalhes materiais, como povoados, lugares, lagos e corujas, figuram quase como acessórios simbólicos destinados a proporcionar um 'som interior', semelhante aos sons dos quadros no filme.
Anna segue procurando seu investigado, mas ainda hipnotizada e impactada pelas obras, como 'O Nascimento de Vênus', do pintor renascentista Sandro Botticelli. Seu olhar percorre intensamente as obras, um olhar admirado, preso àquela beleza, chegando a tirar seu foco da investigação.
Vemos a 'Medusa', de Caravaggio, e também 'Paisagem com a Queda de Ícaro', de Pieter Bruegel. Tal como Ícaro, Anna cai. A beleza dessa obra que lhe provoca sinestesia e conjuntamente a vertigem, resultando em seu primeiro desmaio.
Cada quadro é capaz de encerrar misteriosamente toda uma vida com seus sofrimentos, suas dúvidas e suas horas de entusiasmo e luz, pelo menos é o que afirma Kandinsky. E eu concordo. Esse poder da Arte é capaz de coisas inimagináveis: queremos ver, escutar e tocar.
Ao desmaiar, Anna 'entrou' no quadro de Bruegel, e, nesse mar que se faz presente na obra, a personagem encontra um peixe de forma estranha que a beija na boca. Enquanto isso, no mundo real, ao desmaiar, Anna deixou sua bolsa cair com seus pertences à mostra, como a carteira e a arma. Logo, é abordada por um homem loiro de olhos azuis que devolve sua bolsa e lhe oferece ajuda. Este se apresenta como Alfredo. Nesse primeiro momento, Anna está perdida, confusa e indefesa. Não sabe quem é, não entende o que aconteceu, e tem sua identidade abalada. Alfredo pergunta se o motivo desse desmaio não teria sido os quadros, e afirma: toda obra de arte tem um poder sobre nós. E quanto melhor for, mais poder.
Retornando ao hotel, Anna olha seus pertences buscando saber quem ela é e o que está acontecendo. No seu quarto, há uma cópia do quadro 'A Companhia do Capitão Frans Banning Cocq', de Rembrandt, obra também conhecida como 'A Ronda Noturna'. Ao tomar seus remédios, a detetive perde mais uma vez a noção de realidade, começa a suar e o quadro a 'chama' com seus detalhes e sons. Com um pano, Anna tenta cobrir, retirar aquele quadro que está lhe causando vertigens.
De repente, o quadro derrete e tudo fica preto. Essa obra vira passagem física, e Anna é transportada para outro lugar. A jovem 'entra' no quadro e vai parar em uma praça onde estão seus colegas policiais. É uma cena do crime, um corpo é encontrado, uma mulher que se soma às 15 moças estupradas, e, agora, duas mortas por esse serial killer.
Ao voltar para o seu quarto, encontra o homem que havia conhecido na galeria, Alfredo, em seu quarto. Conhecemos então o assassino que Anna procura. A personagem é abusada, a cena é violenta, assim como Alfredo, que exige que Anna esteja consciente durante o estupro, mas ela desmaia mais uma vez.
Acorda em um carro desconhecido, onde vê uma mulher sendo estuprada ao seu lado por Alfredo. Anna grita em desespero, assim como a mulher. Alfredo dispara no rosto da desconhecida. Nesse tiro de aparência irreal, o projétil atravessa perfeitamente a bochecha. É aí que entra o excepcional uso do CGI por Argento nesse filme. Alfredo olha através do buraco do projétil e ri; sua loucura e monstruosidade afetam bastante Anna.
"A Síndrome Mortal" foi o primeiro filme europeu a usar CGI, e, atualmente analisando o avanço tecnológico na área, podemos enxergar essas imagens como estranhas e horrendas, que não parecem em nada com a realidade. Mas é, nesse ponto, onde reside a genialidade dessa computação gráfica que nos mostra imagens claramente irreais, que chegam a se assemelhar a pesadelos e sonhos que podemos ter nesse subconsciente que trabalha, enquanto dormimos. A consciência da ação para Anna se torna clara, mas como num pesadelo, e, pelo medo, torna-se impotente.
Do acontecido, após fugir, Anna agora é também vítima de Alfredo. O estupro e demais violências que sofre provocam grandes mudanças e questões na jovem, que, como forma de resposta a isso, corta seus cabelos bem curtos.
De volta a Roma, Anna vai ao escritório do seu inspetor. Lá é acometida mais uma vez pelos sintomas da síndrome. Depara-se com um grande quadro. Com o uso do zoom in, somos inseridos na obra junto com Anna, que entra no quadro de forma literal. Em um zoom out, voltamos à 'realidade'.
André Bazin foi um dos maiores, se não o maior, crítico e teórico da história do cinema. No seu ensaio "Pintura e Cinema", Bazin alerta a diferença na representação do cinema e pintura, buscando proteger como um quadro é apresentado em um filme. O crítico explica que a montagem no cinema reconstitui uma unidade temporal horizontal (como o plano se comporta), enquanto que a temporalidade de um quadro se expressa pela sua profundidade. Afinal, a obra em questão é como um plano estático. Deste modo, o cinema destrói o espaço pictórico desse quadro.
Outro fato importante é que a pintura se opõe à realidade graças à moldura que a cerca, algo que Argento trabalha de modo diferente ao fazer sua personagem adentrar de forma literal o universo da obra. A moldura constitui uma zona de desorientação do espaço, tanto da natureza quanto da nossa experiência. Opõe-se ao espaço orientado do lado de dentro, esse espaço contemplativo e aberto que existe apenas no interior. Completa ao dizer que a moldura é centrípeta, e a tela do cinema, centrífuga.
Além das vertigens e alucinações, Anna sente agora uma necessidade de se cortar, se mutilar, de ver esse sangue. Depois de tudo que aconteceu, vemos a ida da detetive ao psicólogo, agora precisa desse acompanhamento.
Conta ao profissional que, ao adentrar o museu com muitas coisas fascinantes, sentiu que fora puxada pela imagem do quadro, e, assim, entrou na obra. O psicólogo lê para Anna uma parte do livro de Stendhal, contando os sintomas que o francês sentiu ao entrar na Galeria degli Uffizi.
"Em 1817, o escritor francês Stendhal foi a Florença. Estava admirando obras de arte na Igreja Santa Croce, quando foi varrido por uma violenta emoção".
Anna é diagnosticada com a síndrome de Stendhal.
"Minha emoção é tão profunda que chega à piedade. Tudo isso me fala claramente à alma. Se eu pudesse esquecer…"
Devido a história da arte e sua valorização pela burguesia, o enaltecimento da beleza da arte se tomou como ponto para a admiração popular das produções artísticas. Desse modo, construímos, em nossa mente, uma concepção delimitada de belo. Para Kandinsky, um artista moderno, a beleza é a relação do conteúdo com a forma, a relação entre obra e emoção são responsáveis pela existência do artista. A beleza é a emoção causada no espectador.
Segundo o historiador francês Hippolyte Taine, a beleza é a manifestação desse caráter essencial da ideia com significado, um modo mais perfeito de representar o que está expresso na realidade.
A sucessão de fatos com Anna aceleram uma crise interna, que também é de identidade. Diz que se sente diferente, abala suas relações com a família e colegas de trabalho. Quer se machucar o tempo todo, principalmente nas mãos. Essa dor física não a incomoda; na verdade, a faz se sentir viva.
A investigação sobre Alfredo continua, e a detetive, agora também vítima, vai atrás de outras mulheres abusadas por Alfredo.
Enquanto isso, suas idas ao psicólogo continuam. Ele diz para Anna ficar tranquila, a síndrome é uma doença transitória, e logo vai passar.
Submetida a uma condição ativada pela arte, Anna resolve começar a pintar; afinal, arte é comunicação e expressão, é externar sentimentos e pensamentos. Os quadros que pinta são bem expressivos, com uma certa transfiguração e muito uso de preto e vermelho.
Pintar autorretratos é um modo de capturar o exterior e o interior de um artista. Como enxerga o espelho e expor de forma direta sua personalidade em obra. Mas Anna ultrapassa a representação na obra, pinta completamente seu corpo em uma mistura de tintas e cores, e de existir na obra; agora ela própria é uma obra.
Alfredo tem conhecimento da condição psíquica de Anna. Por ainda ser seu interesse, enche o quarto da detetive com imagens de grandes obras de arte, dentre elas, algumas que provocaram vertigem na jovem na galeria. Anna é sequestrada por Alfredo, e levada para um lugar distante e abandonado, onde é abusada por dois dias.
O espaço tem suas paredes preenchidas por graffitis, uma arte de rua. Para a produção do ambiente no filme, grafiteiros foram levados para pintar as paredes em uma noite. Temos a tendência de elitizar a arte, e desse modo, muitos não enxergam o grafitti e demais artes de rua como arte, essa marginalização ainda é forte. Mas como as obras de arte causam o efeito em Anna, esse grafite também 'fala', uma vez que é arte.
Anna escapa de Alfredo, e, nessa sequência de cenas, temos um terror gore, característica típica no cinema de Dario Argento. A detetive perfura o olho de Alfredo e mata o serial killer. O tom do vermelho do sangue se sobressai, como deve ser em um bom giallo. O sequestro e novo abuso de Alfredo deixa novas marcas em Anna, a cicatriz em seu rosto, funcionando também como analogia, evidencia a cicatriz eterna na personagem.
Ele jamais irá embora. Ele voltará sempre.
A síndrome mortal influencia também na auto identificação de conhecimento. Após o cabelo curto e roupas mais 'masculinas', agora Anna está com uma peruca loira e roupas brancas.
A ida ao psicólogo e andamento das investigações deixam claro essa crise identitária e de personalidade em Anna, bem como o constante medo do retorno de Alfredo.
Anna tenta seguir sua vida. O interesse por arte cresce. Comprando cópias de quadros famosos, conhece Marie, um jovem francês estudante de Belas Artes. Nesse momento, parece que a ameaça existente é invisível, vimos Alfredo ser morto, mas há uma forte tensão sobre Anna, intensificada pela trilha sonora do genial Ennio Morricone. Mesmo com o 'desaparecimento' de Alfredo, Anna é ameaçada, recebe um telefonema de alguém que diz saber que a detetive está apaixonada por Marie.
Quando enche a casa de quadros, após o primeiro encontro com Marie – é como se quisesse estar em transe a todo momento. Há uma necessidade dessa sensação causada pela arte. Mais uma vez cito Kandinsky, que, em seu livro "Do Espiritual na Arte", explica que, do ponto de vista estritamente físico, nosso olho sente a cor, recebemos uma excitação semelhante ao paladar com uma comida picante. Quanto mais se cultiva esse espírito sobre o qual a cor exerce, mais profunda é a emoção que essa ação provoca na alma. Completa ao dizer que a cor provoca uma vibração psíquica em nós.
Sob proteção da polícia italiana, Anna foge de casa para se encontrar com Marie em uma galeria. Sabemos o efeito das grandes obras de arte na personagem, e, novamente, um clima de tensão é criado pela trilha sonora, junto às vozes e sussurros vindos das esculturas que cercam a cena. Sem a presença de Anna em cena, escutamos um tiro. Marie está morto, mas não se sabe quem o matou. Ao retornar, Anna encontra o corpo de Marie e chora com a morte do amado. O psicólogo de Anna aparece na cena do crime como quem tenta entender o que está acontecendo.
Paralelamente a isso, o corpo de Alfredo é encontrado. Os peritos indicam que o serial killer estava morto há pelo menos 3 semanas.E agora? Quem ameaça Anna e quem foi o responsável pela morte de Marie? Seria outro psicopata ou imitador? Anna é confrontada pelo psicólogo sobre a morte de Alfredo.
Marco é um colega de trabalho de Anna que teve uma relação amorosa com a detetive, e que também estava presente na investigação. Preocupado e desconfiado, o policial vai ao seu apartamento. Lá se depara com o sangue e o corpo do psicólogo. Temos a atual ameaça e assassina, Anna.
Nessa cena, Anna está na sombra, na escuridão, como um monstro perigoso que acaba de ser capturado. A luz é direcionada apenas aos olhos assustados de Anna, dando destaque ao medo e à loucura presente.
Nas obras barrocas, a luz direcionada é um dos elementos mais característicos, e Argento realiza uma releitura desse jogo de luz, sombra e escuridão. Nas próprias obras do italiano barroco Rembrandt, há uma constante uso do reflexo luminoso que destaca a expressão chocada ou aterrorizada de algum personagem, em um drama imerso em uma penumbra.
Kandinsky defende que, quando a religião, ciência e moral são abaladas, o homem desvia seu olhar exterior e volta-o a si mesmo. Essa imagem sombria é refletida na arte, essa escuridão é anunciada.
Anna mata Marco e diz: o que vocês acharam não é o corpo de Alfredo. Porque eu sei onde ele está. Está dentro de mim. Eu me tornei ele.
A cena da morte de Marco segue um ritmo de repetição, como por exemplo acontece na famosa cena do chuveito em Psicose, de Alfred Hitchcock.
Agora me reconhece? Sou eu, Alfredo
Em completo surto, Anna tenta organizar seus próximos passos, o que fará agora após o assassinato de 4 homens. Aos seus gritos, Anna é resgatada por policiais, que passando a mão nela dizem 'confie em mim'. Carregada nos braços desses homens como na escultura 'Pietá', de Michelangelo.
Nesse terror guiado pelo poder e impacto da Arte, Argento expressa o efeito perturbador que a arte pode causar. O extremo desse poder ao alcançar a loucura e o máximo da psique humana. É a confirmação do homem racional como irracional perante essa vibração que a arte causa na alma, bem como nossa necessidade dessa 'inutilidade' tão poderosa.
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