Ernst Lubitsch desenvolve o brechtianismo cinematográfico sob a imagem do MacMahon.
A obra-prima da comédia americana, Ser Ou Não Ser, de Ernst Lubitsch, estabelece, em seus primeiros minutos, um tom brechtiano: somos apresentados ao filme e à subsequente invasão nazista na Polônia por uma narração em voz off um tanto didática, que enfatiza a imagem enviesando-a junto às imagens e falas "redundantes" que se repetem sob o mesmo discurso político. Após a ocupação do país, seguem-se imagens dos cartazes ameaçadores assinados pelo "Coronel Erhardt", por fim com um dos atores da trupe recitando o monólogo trágico de Shylok em "O Mercador de Veneza". A comicidade que se estabelecera anteriormente no desejo frustrado deste mesmo ator em ganhar um papel de destaque, adquire retórica política a partir desta sequência épica (no sentido brechtiano). Mas compreendamos com Lubitsch que fazer teatro épico (e neste caso, cinema épico), não se trata do didatismo político. É sobretudo a forma, e neste filme, Lubitsch consegue partir do que é primariamente uma propaganda de guerra para demonstrar como é possível trabalhar, dentro do Studio System, o passo seguinte da práxis de Brecht.
Após o estabelecimento dessa robusta estilística épica, o que se segue é o aprofundamento do distanciamento espectador-cena a partir da mise-en-scène. Porque vejamos que o rompimento com o que chamamos de identificação no cinema já era feito pelo menos desde Eisenstein e Vertov. Lubitsch não inventa o épico cinematográfico, porém, me parece aqui que ele é quem chegou mais perto de fazê-lo a partir da expansão e refino da mise-en-scène, e não de sua recusa a partir do documental, como fariam os neorrealistas depois, ou da montagem que rompe a absorção da consciência, como fizeram os soviéticos, ou mesmo do desvelar do aparato cinematográfico no ecrã como fizera, especialmente, Vertov.
Lubitsch opta pela mise-en-scène como espaço de afirmação da cena como palco onde se desvela a realidade. Neste sentido, é uma das mais diretas transposições do que é o teatro épico para o cinema: quanto mais o filme avança, mais os atores extrapolam suas personagens em cena, mais escancaram-se os tipos sociais - como quando descobrimos o nazista estúpido em posição de poder, o verdadeiro coronel Erhardt -; e o Gestus, essa dimensão do trabalho do ator épico no qual uma ação, fala ou comportamento repetido revela seu papel social, torna-se ainda mais manifesto (pensemos, por exemplo, em "SCHULTZ!"). Tudo se torna mais abertamente um grande palco social, onde até mesmo a morte (do Professor Siletsky) é encenada em abismo. É, nesse sentido, o melhor "teatro filmado" que poderia haver. Ao mesmo tempo, é essencialmente componente importante do que convencionamos chamar de "cinema clássico hollywoodiano".
É em saber ser contraditório que mora a outra parte da genialidade de Lubitsch, e dos grandes diretores americanos. Tanto por isso que, ainda no primeiro ato do filme, vemos Hamlet substituir a peça politicamente engajada da trupe de atores a partir de uma censura do governo. Neste momento, quando vemos o cartaz da peça política ser esmagado pelo novo cartaz, de Hamlet, estabelece-se mais uma vez o didatismo épico que nos diz: o novo, político, épico, é substituído pelo velho, insosso às urgências de nosso tempo, dramático. Porém, ao final, Hamlet volta ao centro da encenação do filme, desta vez redimido tanto como encerramento de toda a esfera cômica genial e dramática do filme, como do próprio subtexto de uma Europa artisticamente sensível que sobrevive, nos personagens de Lubitsch, aos horrores do nazismo.
Nota do crítico:
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