Com poucas pegadas, Chloé Zhao imprime seus pores do Sol em uma escala interessante, mas pouco coesa.
O Universo Cinematográfico da Marvel é, em especial comercialmente, a maior saga que o cinema recebeu nas últimas décadas. Depois de 20 filmes, logo após o sucesso de Vingadores: Ultimato, inevitavelmente a franquia enxergou espaço para uma reinvenção, seja ela dentro do mesmo centro de personagens, vide Viúva Negra e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, ou fora dele. Para pontuar este último, não só Shang-Chi chegou com os novos ares de representatividade como também sua última estreia badalada, Eternos de Chloé Zhao, expande o universo da franquia e inaugura o que pode ser o novo jeito Marvel de se produzir cinema.
Como iniciado acima, vivemos em um momento de transformação dos super heróis. Tanto em diversidade, que por mais que não se seja um critério de qualidade, ainda assim é relevante dentro de um consciente coletivo, quanto nos moldes cinematográficos, que começam a abrir mais espaço para fluir o trabalho de seus diretores.
Dentro desse mesmo universo, James Gunn foi o primeiro a testar o terreno com Guardiões da Galáxia, fora dele Zack Snyder trouxe uma perspectiva extremamente nova com seu corte de Liga da Justiça e, agora, Zhao traz seus filtros de fim de tarde e amplitude para Eternos. Todavia, com eles a diretora não consegue sair do medíocre e, mesmo que não tenha um trabalho tão rendido como outros exemplos da produtora, pouco agrega em sua expansão.
É válido dizer que ela está acostumada com outra proposta de filme, tanto que arrebatou alguns Oscars com Nomadland, sua última obra. O existencialismo tão característico de seus três longas anteriores até encontra espaço para acontecer nesse universo cósmico e é justamente aí que o filme se faz mais interessante. Se antes seus takes abertos refletiam sobre a existência diminuta de uma pessoa diante dos Estados Unidos, agora eles refletem sobre a existência insignificante da Terra ante a grandiosidade dos seres milenares que a criaram e vão lhe destruir. É uma mudança de escala que favorece seu trabalho e ela lida bem com essa proporção ao longo do filme.
Ainda assim, mesmo os seres eternos, que presenciaram o nascimento e a morte de bilhões de seres ao longo de bilhões de anos de existência, continuam se banhando do mesmo pôr do Sol que os humanos. Uma justaposição profunda em um filme que não só humaniza bem essas figuras, como também tem uma postura interessante quanto a presença dos Eternos entre nós e como isso altera o peso da história.
Por um lado ele desprestigia a ação humana, seja maléfica ou benéfica, subestimando o poder da espécie ao responsabilizar os protagonistas por nossos principais feitos e por outro é bem antropocentrista ao tentar provar que há algo aqui que vale a exceção de uma regra bilenar. Nisso ele não só suaviza o impacto de atos repugnantes, o que mesmo dentro da ficção me parece pouco interessante, como também enfraquece a razão pela qual de fato somos um ponto fora da curva. Uma oposição de ideias que precariza o papel que ambos os fatos cumprem na narrativa e rompe a aura existencial de Chloé Zhao, segregando-a apenas para tentativas visuais.
Junto disso, há um outro impasse trazido pelo próprio filme: enquanto o grupo exerce um papel conjunto e maleável no desenrolar da trama, Sersi é pontuada como a protagonista. Embora ambos tenham coisas interessantes, seja a diversidade e pluralidade de existência e ideias de um grande grupo agindo como uma única força ou o arco de provação de um ser subestimado pelos companheiros ao realmente fazer jus a sua escolha como sucessora, nenhum consegue de fato se desenvolver substancialmente e há um meio termo esquisito de holofotes.
Como se não bastasse, ainda há o lado dos deviantes se destacando em uma jornada coadjuvante de vingança. Também sem espaço, o que absorve os poderes nem chega a ser um vilão de fato, é um dispositivo preguiçoso que tenta desenhar alguma discussão superficial sobre dois lados da mesma moeda enquanto o filme tenta lidar com suas já muitas discrepâncias bifacetadas.
Eternos é, na melhor definição possível, vagamente interessante. De fato, se desprende consideravelmente do didatismo da fórmula que a produtora repete à exaustão, mas, sem ela, inevitavelmente se perde ao desenrolar seu enredo no território de heróis. Longe de ser uma perspectiva completamente fresca, o trabalho de Chloé Zhao não é desprezível e pode ser o pontapé inicial de uma ressignificação cinematográfica dentro do alto escalão de personagens do UCM.
Nota do crítico:
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