top of page

Especial PTA | Embriagado de Amor (2002)

O longa mais curto de Paul Thomas Anderson também é o mais detalhado estilisticamente, utilizando de todas as condições técnicas possíveis para enfatizar como um homem se sente por dentro e como transparece uma imagem de insegurança do lado de fora que o torna alvo de comentários infelizes



Um filme é formado por um leque de influências. Nesse sentido, “Embriagado de Amor”, de 2002, talvez seja o projeto mais pessoal e passional de seu diretor, Paul Thomas Anderson. É comum encontrarmos listas na internet elencando filmes como “Popeye”, de Robert Altman (de quem Anderson toma emprestada a canção “He Needs Me”, cantada no original por Shelley Duvall), “Uma Mulher é Uma Mulher”, de Jean-Luc Godard (a quem o cineasta claramente homenageia através da composição visual e das vestimentas estampadas nas cores azul e vermelha), além de outras obras dos mais variados diretores, como François Truffaut e até Jacques Tati, como referências para a composição do trabalho.


A própria trilha sonora original, de Jon Brion, é incisiva e se inspira nos musicais da Era de Ouro de Hollywood, em que a música ditava o tom das ações. Aqui, mais do que isso, ela cutuca o pensamento do protagonista, Barry Egan, e praticamente conversa com sua insegurança e com sua ansiedade o tempo inteiro. É como se, a cada passo e a cada gesto corporal dele, a música andasse em confluência com seu funcionamento interno, com as vibrações que sentia. Como ele está cercado de pessoas tóxicas (principalmente suas irmãs e o restante dos familiares), os sons são opressores, frenéticos. Apenas quando encontra Lena Leonard, uma mulher doce, gentil e compreensiva (lembrando que a atriz que a interpreta, Emily Watson, quase viveu Amélie em “Amélie Poulain”), o barulho dá lugar a uma sonoridade mais melódica, típica de quem está apaixonado.



O bom de ter tido contato constante com a obra durante mais de quinze anos, desde que a vi pela primeira vez, é que ela sempre dialoga com as diferentes fases da minha vida. Quando estou muito triste, me coloco no lugar de Egan e penso que é preciso empatia para conviver com alguém em sua condição. Há uma cena em que ele quebra um vidro em uma festa de família, o que faz barulho, mas o silêncio que o precede incomoda muito mais e causa estragos maiores. É muito difícil, para pessoas com TAS (transtorno de ansiedade social) saber quando (e como) agir com a razão uma vez que o excesso de preocupação, incomum para um ser humano são, faz com que se antecipe ações que poderiam muito bem ser contidas pelo tempo e realizadas em seu devido momento, mas o medo de se deparar com o futuro e se decepcionar acaba transpondo-as para o presente.


Quando estou apaixonado ou de bem com a vida, no entanto, penso que, por mais que a doença sempre fique no caminho como uma lembrança de que merecemos cuidados, sempre haverá alguém, e não necessariamente um par romântico, para compreender essa condição de inferioridade ao qual quem não tem conhecimento da causa puxa para quem tem. Lena tem exatamente esse papel: ela abraça Egan, e o entende mesmo quando ele é tomado por atos impulsivos e mal planejados. Ela sabe que, por dentro, ele está achando alguma maneira de se expressar melhor, apenas recebe sempre tantas informações que não consegue digeri-las a tempo de processá-las. Egan é, também, um homem que chora e expõe vulnerabilidade masculina, não só através da voz ou das expressões faciais, mas também da retração do corpo. Quando chega aos lugares, sempre dá dois passos para trás antes de dar um para frente, e assim mal consegue ser visto. É sempre muito comentado, mas as pessoas só prestam atenção nele quando chega no limite e tem algum ato desproporcional ao que os outros enxergam, mas proporcional ao que sente.


A personagem interpretada por Adam Sandler representa perfeitamente como é viver na pele de quem tem alterações de humor muito frequentes causadas pela incerteza do que virá a acontecer, somadas à angústia causada pela compulsão em se preocupar com qualquer coisinha dita ou sentida. O vidro quebrado é apenas uma representação física de um problema interno que sempre transparece aos outros como sinônimo de “retardo” (como diz uma das irmãs do personagem) ou loucura.



Objetos quebrados são apenas uma forma de descontar sua raiva em algo ou alguém por não saber lidar com o excesso de pensamentos negativos a longo prazo. A dor é uma forma irracional de se castigar, sim, mas a única que o enfermo tem no momento para canalizar suas frustrações, ainda que o arrependimento surja logo depois e esse pico de irracionalidade acabe conhecendo o seu fim.


Transtorno de ansiedade social é coisa séria. A ansiedade encurta o tempo e dá uma dimensão maior a todas as coisas na vida de quem não consegue nem respirar uma camada de oxigênio sem pensar que pode não estar vivo para a próxima, e esse filme talvez seja o que melhor exemplifica a questão através de uma construção técnica apurada por parte da direção, da produção e dos outros membros da equipe, e um domínio corporal em estado de excelência pela atuação.


 

Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.



Yorumlar


bottom of page