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Foto do escritorJulia Nicolau

Arquétipos junguianos e a cultura pop

Uma relação entre o Velho Sábio e os grandes mestres


Na vida, por vezes, algumas curiosidades perpassam o nosso caminho e nos trazem percepções inovadoras. Isso aconteceu comigo durante o curso de Psicologia.


Ao entrar no mundo de noções junguianas, conhecimentos diversos começaram a se cruzar, fazendo pontes entre si. O que mais me chamou atenção durante as aulas foi como o arquétipo do Velho Sábio se manifestava em diversas formas dentro de grandes referências culturais. Essa noção está enraizada na própria cultura pop, assim como no coletivo humano.


Mas, antes de introduzir as ligações que fiz com relação aos arquétipos e a cultura pop, irei introduzir brevemente quem foi Carl Jung, caso seja uma novidade para você, leitor!


Carl Gustav Jung foi um psiquiatra suiço, formado em medicina na Universidade de Basileia em 1900, que tinha uma paixão além do aspecto biológico do ser humano. Em diversos textos sobre Jung, é apresentada sua curiosidade incessante pela mente humana e pelos mecanismos profundos que faziam com que cada um tivesse sua individualidade, ao mesmo tempo que compartilhassem aspectos semelhantes dentro de suas vivências e comportamentos.



Não à toa, o momento era propício para um novo pensamento acerca da psique humana, visto o período cultural revolucionário que vivenciava. Semelhante ao seu movimento de pensar os indivíduos de maneiras mais subjetivas, mas ainda cientifica, tinha o grande nome da psicanálise e fomentador de várias discussões acerca da psique na época: Sigmund Freud.


Jung entrou em contato com Freud por volta de 1904 e 1906 e começaram a relacionar-se, trocando cartas e desenvolvendo uma bela amizade que perdurou por um tempo. Porém, em determinado momento da sua construção teórica, Jung se viu divergindo da teoria freudiana, e se afastou do autor da mesma para seguir com sua própria interpretação teórica acerca do inconsciente e das pulsões.


Basicamente, Carl constrói sua teoria e vai estruturando-a e solidificando-a durante os anos. Dentre suas grandes obras, reescritas e revisitadas por diversas vezes, ele teoriza a sua ideia acerca do inconsciente da psique e seu mecanismo.


A ideia de inconsciente é bem difundida socialmente. Por vezes fazemos algo sem a intenção de fazê-lo propriamente e dizemos "Nossa! Fiz isso mas foi inconsciente, nem pensei em fazer".



Em termos extremamente gerais, o inconsciente seria saber algo, ou fazer algo, sem a intenção de saber ou fazer. Para Jung, existem dois tipos de inconsciente: O inconsciente pessoal, onde habitam as nossas memórias e conteúdos individuais e inacessíveis como traumas e eventos marcantes, e o inconsciente coletivo, onde habita algumas formas de conteúdos ainda não desenvolvidos, mas que podem se desenvolver, e são semelhantes entre si dentro de toda a humanidade advindas de mitos e histórias presentes durante séculos de existência humana e se alocaram dentro de todos os humanos.


Então, dentro do inconsciente coletivo (que é o que nos importa neste momento) temos algumas figuras, ainda que embrionárias, que podem vir a se desenvolver e recriar aspectos coletivos e mitológicos dentro da sua manifestação. Essas imagens potenciais que existem em todos os inconscientes, coletivamente, são o que Jung chamou de "arquétipos" ou "imagens arquetípicas".



Os arquétipos funcionam dentro de cada indivíduo, apresentando características semelhantes mas podendo ter imagens diferentes a depender de cada caso. Entretanto existem imagens comuns entre elas também.


Jung colocou em sua teoria alguns exemplos de arquétipos coletivos que descobriu durante sua análise com diversos pacientes. Entre eles, temos os arquétipos de herói, grande mãe, anima, animus, e o que vamos conhecer melhor aqui: o velho sábio.


O arquétipo do Velho Sábio traz algumas características próprias dentro de si, sendo carregado de luz, esperança e prudência. A figura de um ancião, com aspecto físico já envelhecido, que tem conhecimento de séculos e sabedoria para compartilhar, vem com uma imagem por vezes primordial que apresenta um senhor de idade, apoiado em sua bengala racional, que caminha como guia da civilização e é reconhecidamente visto como grande referência.


Seguindo a descrição geral que circunda essa imagem arquetípica, é inevitável assimilar à grandes personagens da literatura e do cinema como o Mestre Gandalf de Senhor dos Anéis (Tolkien), já referenciado diversas vezes pela sua similaridade com a figura, assim como Dumbledore da saga Harry Potter (J.K. Rowling). Esses personagens, além de terem a fisionomia de idosos sábios, também estão inseridos no contexto místico, sendo o mestre guia da vida e da magia. Esse tom mágico traz uma dinâmica ainda mais similar à mitologia, colocando o guia como o capaz de conhecer tudo dentro do mundo físico e metafísico.



Ainda, pensando na presença dos personagens dentro de suas respectivas histórias, é possível analisar que cumprem exatamente o papel esperado pelo mestre. Enquanto Gandalf guia seu confiável Hobbit na missão heróica de destruir o maligno anel de Mordor, ele o incentiva sempre a seguir na árdua trajetória. Quando a jornada parecia impossível e a beira do fracasso, o mestre ressurge da sua suposta morte para trazer a mensagem positiva que apenas o sábio consegue, colocando o nosso pequeno Frodo a cumprir seu ato heróico. Da mesma forma, Dumbledore exerce seu papel de mestre com Harry Potter, apresentando-o indiretamente pistas e histórias que levam o recém estudante de magia à sua trajetória inspiradora como grande herói de Hogwarts.


Com a menção destes dois grandes nomes, fica clara a relação entre a imagem arquetípica de Velho Sábio com ambos mestres de cada saga. Assim, vale ressaltar que "Harry Potter" e "Senhor dos Anéis" são grandes referências do mundo literário e cinematográfico, contando com legiões de fãs e admiradores. Não só as imagens arquetípicas ficam claras nas histórias, como também atraem grande audiência para uma imagem tão primordial e essencial da vida: o grande guia espiritual que cada um anseia encontrar.


Tanto Dumbledore quanto Gandalf nos permitem encontrar, dentro de seu cenário, o velho sábio que todos nós um dia buscamos e continuamos a tentar encontrar na nossa vida. A atração pelas histórias, e principalmente a alta referência dos dois personagens indica essa identificação coletiva entre público e figura. Independente da geração e situação individual, quando apresentado aos grandes mestres, é inevitável sentir-se conectado com uma figura de tanta força como eles. Sua força não é relativa, e nem ocasional, Jung já explicara: isso está dentro de nós, e especificamente dentro do inconsciente coletivo.


 

Julia Nicolau

Estudante de psicologia com uma graduação impactante na perspectiva de mundo. A sensação de dever feito ao compartilhar as diferentes camadas da realidade interna, unida com uma boa mistureba de cultura pop, em suma, me define. Acompanhe no Letterboxd (junicolau)

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