Em uma década marcada por paranoia e teorias da conspiração, poucos filmes captaram tão bem as incertezas do período Pós-Guerra quanto esse pequeno grande filme de Jack Arnold
Se hoje tudo precisa ser destrinchado, há pouco mais de 60 anos essa não era uma exigência apenas das pessoas que pagavam ingresso para assistir a um filme ou a uma peça teatral, mas também de quem bancava essas atrações. Roteirizado por Richard Matheson, autor do livro no qual o filme se baseia, “O Incrível Homem que Encolheu” deu trabalho à Universal Pictures, que insistiu em uma narrativa linear, que cortava sequências importantes, dando prioridade a uma simplicidade aparente, que, ainda assim, deixava o público em estado de suspensão, sem saber como reagir à falta de explicações para o mote principal ou para o final sem respiros. Conta uma história que começa a se desdobrar logo nos primeiros minutos, em que um homem (Scott Carey, interpretado por Grant Williams) e sua esposa (Louisa Grant, interpretada por Randy Stuart), durante uma viagem litorânea, se veem assustados e intrigados (a mesma sensação se aplica ao espectador, ainda mais para quem viu o filme nos anos 50) quando uma nuvem radioativa, que pode tanto servir como metáfora para o misto de paranoia e aflição que assolava o mundo no período da Era Atômica, quanto não ter significado, atinge nosso protagonista, sem perspectiva de passado ou futuro, apenas vivendo pela situação presente à qual ele não sabe como reagir.
O diretor, Jack Arnold, já havia realizado outros filmes (talvez o mais famoso seja “O Monstro da Lagoa Negra”), em que a carapuça de “Filme B” se encaixava perfeitamente em suas ambições, mas, aqui, ainda que haja um princípio irracional regido pela ficção, as questões enfrentadas pelo herói solitário em sua busca por respostas são de níveis existenciais. Como que arrancando do espectador a possibilidade de criar teorias para o que poderia acontecer após a exposição à radiação que ele sofre, Arnold opta por não dar a ninguém sequer um motivo razoável para o surgimento desse imprevisto, e apenas nos faz perceber que a personagem passa a encolher gradativamente, como uma anomalia sem causa, que coloca um homem simples sob a perspectiva da grandiosidade: a vida torna-se um espectáculo em que ele é uma pessoa indefesa, desprotegida e todos os outros podem machucá-lo, algo muito absurdo até mesmo dentro da proposta de uma obra fictícia.
É justamente aí, abraçando o exagero catártico da situação, que o filme ganha em ambição. Em um primeiro momento, é um drama doméstico cuja base do conflito está nos implicativos gerados pela distância, que ganha forma física e literal, e impede que o casal esteja próximo um do outro tanto em um senso geográfico quanto comunicacional, o que gera dúvidas em ambos a respeito do rumo da relação. Nesse estágio da trama, a paz deles é perturbada pelo sensacionalismo e pela curiosidade ávida das outras pessoas em igual proporção. A consequência normal desse embate entre a procura por tranquilidade e o tumulto generalizado seria manter os dois juntos até o fim do filme, como se a segurança do lar os munisse de fofocas e intrigas, mas chega um momento em que a realidade engole a farsa: ser pequeno, em qualquer dimensão, é ser só, e ser só, é existir apenas para si e para seus instintos. Nesse instante de conscientização, gatos e aranhas tornam-se predadores. O homem é, literalmente, engolido, e mesmo que retorne a seu novo habitat, não há mais distinção, para os outros, se ele está vivo ou morto, porque perdeu sua voz, perdeu sua capacidade de ser visto, ouvido e percebido, então realmente tanto faz para ele, e logo passa a entender isso. Para sua esposa, e seu irmão, também é o fim, e eles dão como encerrada a situação. O mais curioso, e até mesmo revolucionário (para a época), é que Arnold faz o mesmo, e a ausência de uma estrutura familiar, que era a principal força de Scott Carey, o deixa à mercê do destino, pura e simplesmente.
A partir da metade final, a narrativa se transforma em um teste de individualidade para Carey, que mais parece estar à mercê de uma missão, de diferentes fases, de um jogo. De um lado, o público tem uma visão panorâmica dos lugares onde ele está, e sabe que o campo de atuação é amplo, e as possibilidades, infinitas. De outro, ele fica encolhido e espremido no canto da tela, encara os obstáculos que precisa superar para ir de um ponto a outro como questões de vida ou morte, e objetos que servem de apoio ou decoração ambiente nas andanças do cotidiano tornam-se seus únicos guias comparativos entre o que pertence a seu universo seleto e o que não suporta mais o seu formato, quase como um soldado resistindo ao ataque inimigo enquanto aguarda o pior no isolamento da trincheira, até chegar o momento em que, por resistência, ele não vê mais diferença entre existir e ser. Suas metas de crescimento tornam-se adequadas para o seu tamanho. Existem graus de infinitude até na menor das formas.
Nota do crítico:
Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.
Comments