George Miller faz de sua nova instalação em uma franquia de sucesso um exercício de escuta no campo da ação, sem reduzi-la quanto à sua intensidade, mas trazendo nuances estruturais
Ao longo de sua carreira, George Miller sempre foi um grande gestor do tempo. Possibilitando um longo intervalo entre um filme e outro, na maior parte das vezes, porque esteve envolvido em franquias ou projetos ambiciosos, o cineasta também vez ou outra surge com algo mais delicado, estrategicamente localizado entre dois blockbusters.
Partindo dessa premissa, em 2022 ele lançou o que é muito provavelmente sua obra mais pessoal, o generoso Era Uma Vez Um Gênio, filme que demonstrava uma paciência impressionante em contar uma história e deixar uma impressão a partir dela. Investindo na figura de mitos e lendas antigas, comercializou um tipo de narrativa que avança ao mesmo tempo que reflete sobre ela mesma.
Dois anos depois, em 2024, voltamos a falar de seu principal produto, a saga Mad Max. Se o filme de 2015, Estrada da Fúria tinha uma exposição intempestiva, da aceleração sem freio, que sustentava uma ação que visava a saturação dos sentidos do espectador, Furiosa: Uma Saga Mad Max parece ter aprendido bastante com Era Uma Vez Um Gênio.
Furiosa é um filme que pega a intensidade de Estrada da Fúria e, sem necessariamente reduzi-la, a coloca em uma posição de escuta, como se a obra quisesse recuar para se ouvir, sem deixar de mostrar, porque seu criador, George Miller, tem muito a dizer, principalmente sobre a expansão da mitologia do universo que construiu e ainda sustenta.
Para a Furiosa de Anya Taylor-Joy, ser protagonista de sua história, ou desse tipo de história (um conto de advertência separado por capítulos bem ministrados), ao menos, ela precisaria ser (e é) mais do que uma agente direta da ação, e, sim, a peça que nos situa nela.
Chris Hemsworth é a oposição desse caminho racional, da frieza. Como Dementus, ele faz um homem que consegue ser destrutivo no que se propõe e ainda assim parecer mais um pirata presente no filme errado (ainda que essa ruptura o torne apropriado), com tons de Jack Sparrow, tentando ficar em pé, murmurando palavras de ordem que podem ou não fazer sentido.
É esse contraste que mantém o filme como uma peça de exposição, mas movida por uma grande nuance estrutural que envolve o conceito da vingança, e não uma imposição direta da fúria. George Miller situa suas personagens dentro do universo não para agradar ninguém, mas para ser um diretor-autor no sentido de valorizar o tempo e concatená-lo com o espaço que é necessário ser dado ao movimento, e também à manutenção do ritmo, que avança para voltar, e volta para enfatizar, revezando entre as tendências até completar a trajetória e estabelecer Furiosa como uma força absoluta e Dementus como um estigma a ser superado.
É uma grande costura de intenções. A linguagem, a paciência e a clareza da elucidação saem favorecidas na equação, sem que as tradicionais sequências alucinantes de perseguição e explosão (há de se contabilizar pelo menos umas três delas) percam espaço.
Nota do crítico:
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