Durante os anos 90, diversos filmes competiram com a estilização e o sucesso de Quentin Tarantino no circuito alternativo. O pouco conhecido “Freeway” talvez seja um dos casos mais bem-sucedidos nesse sentido
Alguns diretores estão fadados a viverem na obscuridade, e a aceitam de bom grado, nunca fazendo, de fato, questão de se enquadrarem no mainstream ou dirigirem um grande filme. Por isso, é sempre curioso quando alguém sem grandes pretensões de se enquadrar no “padrão Hollywoodiano de qualidade” trabalha com atores de renome em um pequeno grande filme, uma obra que agrada mais por acidente do que por pretensão. Matthew Bright não possui quase nenhum crédito na direção além de seu debut e a continuação lançada direto em vídeo, e entre seus grandes amigos e colaboradores na indústria estão os irmãos Elfman. Ou seja, mesmo sua vida pública é clandestina.
Em “Freeway”, ele teve bastante liberdade artística. A simples ideia de adaptar o conto da Chapeuzinho Vermelho, em que a figura masculina, ao mesmo tempo que é uma maldição (representada pelo predador), também é uma benção (representada pelo caçador), para a realidade suburbana de um universo misto de John Waters com Harmony Korine, sem nenhum pingo de esperança ou moral da história para fazer criança dormir, retratando a adolescente vivida por Reese Whiterspoon como alguém que se livrou da emboscada tão rápido que tomou conta do filme e passou a articular, transformar, o que era um problema, em uma situação em que ela estivesse no controle, é genial.
Se esse fosse um filme Oscar-bait, moralista em doses extremas, provavelmente seria sádico como forma de retratar a degradação da humanidade, e provar um ponto já estabelecido várias e várias vezes.
Mas o interesse maior de Bright foi em fazer um filme que resgatasse o espírito explotation (não à toa, é uma trama Tarantinesca, e é produzido por Oliver Stone [inclusive, me lembrou seu filme "Reviravolta"]), muito presente nos anos 70 e ressuscitado nos 90, embutido em vários subgêneros que vão eliminando, gradualmente, pontos importantes da trama que você esperaria ver sendo concluídos de uma vez.
No início, por exemplo, vemos a família de Vanessa (Whitersppoon, em um grau de segurança e confiança no papel e na atuação raramente vistos com tão pouca idade) e a primeira suspeita já não é confirmada: seus pais são retirados de cena, então a hipótese de que aquele seria um drama familiar já é descartada.
Depois, ela entra no carro de Bob Welverton (Kiefer Sutherland, tão caricato quanto parece... O nome da sua personagem faz até trocadilho com o do lobo do conto infantil) e dá a entender que o resto do filme envolverá só uma tentativa de tortura e o contragolpe da fuga, mas, logo, o psicopata é deixado à deriva, e aí vamos para a terceira parte: um filme de rebelião feminina.
A partir daí, o gore se intensifica e o humor vai ficando cada vez mais mórbido, com direito a escapadas da prisão e visitas a postos de estrada que duelariam bem com sequências de Coração Selvagem, do Lynch. O mais incrível é que o filme todo é tomado, tocado e levado por Vanessa. Ela nunca chega a ser a vítima, sempre é dona de seu destino.
Entre a originalidade dos anos 70 e as reciclagens noventistas, o filme traça um caminho autêntico, e Bright demonstrou muita personalidade, ainda mais para um debut. Fiquei até curioso para ver o segundo filme, também dirigido por ele, com Natasha Lyonne como protagonista, mas já em uma outra tonalidade estrutural.
Nota do crítico:
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