O menos adorado e mais autêntico filme de Paul Thomas Anderson
Os filmes de Paul Thomas Anderson são como uma 'carta de amor' ao cinema para outros amantes da sétima arte. Conhecido pelos seus dramas psicológicos e um visual único, PTA tem também uma linguagem única em sua direção. Mesmo com narrativas diversificadas, seu estilo como diretor é rapidamente identificado.
"Vício Inerente" é um filme um tanto quanto polêmico e não tão adorado na filmografia do diretor, mas acredito que seja o mais autêntico de PTA. Quem mais pensaria em colocar como narrativa de um filme um detetive hippie chapado investigando o sumiço de uma ex-namorada, sem levar para o lado do 'besteirol' e resultando em um drama cômico bastante crítico?
As trilhas sonoras dos filmes do diretor americano são sempre envolventes, se tornando impossível não ficar escutando e escutando o soundtrack assim que o longa acaba. E claro que isso não é diferente em "Vício Inerente". Ambientado nos anos 70, regado por "sex & drugs & rock'n'roll", facilmente somos inseridos nesse universo por meio dessa trilha sonora. E isso faz todo sentido quando sabemos que o compositor do soundtrack é Jonny Greenwood, o guitarrista do Radiohead, uma das bandas mais famosas de rock alternativo do mundo.
Como em outros filmes de PTA, nosso guia é a narração em off, que conta a história e nos norteia. Mais do que nunca, essa narração vai ser extremamente necessária, além de situar o espectador (que instantânea e propositalmente fica perdido), aumenta esse clima nostálgico dos anos 70, com um teor cômico na medida certa.
De início, somos apresentados a Doc Sportello(Joaquin Phoenix), um hippie detetive particular de Los Angeles, perdido, atrapalhado e sempre drogado. Doc recebe a visita de Shasta Fay Hepworth (Katherine Waterston) pedindo ajuda com seu atual namorado, Mickey Wolfmann, um bilionário do ramo imobiliário.
Envolto nessa fumaça de maconha, Doc inicia sua investigação, que no desdobramento, se ramifica para outros casos. Cada personagem ou acontecimento novo é como uma pista, tanto para o espectador quanto para o investigador,estamos descobrindo junto com Doc. O mistério por essa Los Angeles hippie se torna confuso justamente por praticamente todos (senão, todos mesmo) estão sob o efeito de drogas. Afinal, estamos falando de uma Califórnia da década de 70, um contexto de guerra, declínio dos 'anos dourados' americanos e instabilidade política.
Além disso, é como se todos (ou pelos menos Doc, que nos orienta na trama) estivessem excitados a todo momento. Talvez pelo efeito das drogas ou por esse contexto e busca por amor livre. Há teor sexual em tudo, de pequenos detalhes, a situações um tanto quanto absurdas. Por exemplo, o detetive de policia Pé Grande comendo seu 'picolé de banana' ou até na insinuação direta por gestos obscenos. Com essa direção cômica e inteligente de PTA, nada fica de mal gosto, muito pelo contrário, só aumenta a graça desses absurdos.
Nessas novas descobertas, Doc percorre pelo sumiço de um bilionário, para a busca por um motorista de Mickey, a morte de Coy Harlingen (Owen Wilson). Tudo acontece de forma rápida, e segue conforme Doc se move na trama, que por estar 'chapado', tira do espectador qualquer confiança ou certeza da realidade. Não há conexões explícitas entres os personagens e o que vai acontecendo, ficamos perdidos e vemos as 'trapalhadas' de Doc.
Nem só de drogas vive o homem. "Vício Inerente" também é um filme romântico, e o amor está mais forte, claro e viciante, como uma droga. Depois de Shasta some, percebemos sua importância para Doc e o amor que persiste pela antiga namorada.
O amor um dia acaba?
Claro que sim.
E acabou.
Em alguns momentos do filme, eu me pegava questionando o que estava acontecendo e o que Doc estava procurando no momento, tudo conectado, mas de forma excepcional, essa névoa de PTA também nos 'cega', como se tudo não passasse de uma grande brincadeira. É como se pegasse um mistério noir, jogassem nos anos 70 junto com muita droga e todo mundo alterado, numa lógica que não segue a lógica.
Paul Thomas também trabalha esse estereótipo do hippie 'chapado' e imundo, mas deixa claro que o uso de drogas está presente na vida de todos. No decorrer, Doc descobre que tudo está sim ligado. Esse mundo capitalista cria ciclos: uma fuga para os problemas, que gera mais problemas, e finda na solução por quem começou tudo isso. Urge a necessidade de fugir deste 'american way of life'.Se é possível viciar as pessoas, por que não vender programas de reabilitação? Todos saem ganhando e tem-se lucro em dobro, sendo esse o plot mais importante do filme.
Não haveria ator melhor para Doc que Joaquin Phoenix. Com seus olhares curiosos e perdidos, gestos e feições irônicas, com movimentos que mostram a loucura, o efeito das drogas e total falta de realidade e noção, dando o melhor teor cômico para as cenas e enfatizando o momentos de tensão
Como eu já disse, o amor é uma droga (em todos os sentidos). Shasta é a droga de Doc, é seu vício inevitável. Não se pode fugir do amor, e acredito que essa seja a melhor mensagem de "Vício Inerente".
Nota da crítica:
Para mais críticas, artigos, listas e outros conteúdos de cinema fique ligado na Cine-Stylo, a coluna de cinema da Singular.
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