Voyeurismo e visualidade háptica entram em embate sob o maneirismo de Guadagnino.
Se eu tivesse que destacar apenas um elemento do novo filme de Luca Guadagnino, bem repercutido especialmente graças à presença estelar de Zendaya no elenco, seria o embate entre duas forças dialéticas no filme: o voyeurismo hitchcockeano, característico do maneirismo, e a visualidade háptica, que se trata do tipo de relação óptica estabelecida com o espectador que convoca não somente o olhar, mas entende que a experiência visual somente se completa no corpo. Enquanto o voyeurismo completa a experiência no olhar distanciado, a visualidade háptica convoca a pele ao ato de olhar. Nesse e em muitos sentidos, é essencialmente um filme de embates - no tênis, nos relacionamentos e na forma.
A partir da personagem de Zendaya, Tashi, de um lado temos a sombra no amante, Patrick (Josh O’Connor) e, do outro, o superego no marido, Art (Mike Faist). Nessas três almas infantis que nunca cresceram, o ciúme, a traição, as frustrações e a corrida cegamente inabalável por status, confiança, vitórias; para evitar a rejeição, o medo do abandono e a falta de amor. Do outro lado das mesmas três almas, o gozo, as delicias da amoralidade, a brincadeira com o melhor amigo, o "sexo" inconsequente e aberto às vistas numa quadra de tênis; o clímax: o abraço que reconcilia essa natureza dubia de uma amoralidade rara de se escrever, mais rara ainda de se filmar. Nas dores e delícias de, com filho, instituição-matrimônio e uma carreira, ser pra sempre adolescente, no seu próprio triângulo perigosamente seguro. Tudo expressivamente representado na (última) sequência de traição de Tashi seguida por Art adormecido no quarto com sua filha pequena, segurando-se na luz que pulsa de um relacionamento de sombra.
Na forma de Guadagnino, a liberdade de uma criança que pega a câmera e milhões de Hollywood no bolso, e traz com isso excessos que podem truncar a decupagem ou quebrar o ritmo, mas que igualmente assim extrapola criativamente seus próprios limites. Numa forma que instiga o espectador a querer, pela imagem segura proporcionada pela câmera, na sala escura, a todo momento ver (voyeuristicamente) os corpos, sendo porém sempre convocado a vivenciar a experiência na pele, seja pelo tesão ou dentro da quadra de tênis, viajando junto a bola que voa de um lado ao outro.
Assim, se esconde a principal imagem que Guadagnino nunca nos permite ver, ainda que num filme erótico e mais ainda homoerótico: o pinto, envergonhado da câmera, escondido, mas exposto na diegese; querendo se impor, mas vivendo sob o medo da castração (aqui, na figura da femme fatale de Zendaya), até encontrar ao fim, num abraço suado, a deliciosa adrenalina do amor que faltava a meninos clamando por segurança; que enfim esquecem por um momento de seus falos e vivem o calor da paixão, do esporte, da beleza finita e ainda assim eterna de um único momento.
Não é isso o sexo?
Nota do crítico:
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